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terça-feira, 14 de junho de 2011

IMPORTANTE: UNIVERSITÁRIOS, AINDA UM ESFORÇO PARA SEREM AUTÔNOMOS

FONTE: http://cultura-contemporanea.blogspot.com/2011/06/antropologia-das-ciencias-e-das.html

 

Antropologia das Ciências e das Técnicas discute o conhecimento e suas implicações sociais e políticas.

Em continuidade com os estudos propostos na linha de pesquisa Antropologia das Ciências e das Técnicas - espaço de comunicação entre estudos das sociedades contemporâneas (seus coletivos e sujeitos) que considerem a constituição híbrida e simétrica dos fatos e conhecimentos implicados em seus contextos, apresentamos um texto de Bruno Latour que nos remete as discussões em aula e orientações com a Professora Aparecida Nogueira (UFPE), quando nos referimos à relação entre a construção das premissas teóricas e suas implicações sociais e políticas. Aqui encontramos o autor se posicionando diante de uma discussão sobre a reforma universitária na França, utilizando como argumento o que encontramos em obras suas como “Jamais Fomos Modernos”.
Estão disponíveis, o link para o texto original no site do autor, bem como a tradução que tem por finalidade alimentar interlocuções e discussão sobre o texto (conteúdo e tradução), o que se amplia através desta ferramenta virtual (blog).




 
Universitaires, encore un effort pour être autonomes - Bruno Latour, Le Monde, 25 février 2009


UNIVERSITÁRIOS, AINDA UM ESFORÇO PARA SEREM AUTÔNOMOS

Bruno Latour, Le Monde, 25 de fevereiro de 2009. Tradução livre, com fins de estudo, pelo mestrando João Villacorta PPGA/UFPE.

            Você se lembra do tempo onde a esquerda desfilava por mudança? Onde os intelectuais ainda não tentavam imitar os motoristas de táxi na defesa obstinada do status quo? A querela da Universidade forneceu talvez uma ocasião de retomar os bons hábitos e de reencontrar enfim o parti du mouvement [1].
            Por enquanto a situação parece estar obstruida pela vontade de defender ou de atacar “a autonomia”. Ah, Autonomia, que crimes não nos dispomos a cometer em teu nome?! Você reparou nesta coisa engraçada, que um dos grupos defende a autonomia da Ciência com “C” maiúsculo e ataca a autonomia da Universidade, enquanto acusam o outro de querer violar a autonomia da Ciência quando defende a autonomia da instituição? Como se pudessem separar o destino do saber, da maquinaria que pode lhe produzir! Ou você demanda autonomia para os dois ou a rejeita para os dois.
            A menos que esta noção intrínseca de autonomia não queira dizer nada. O inconveniente desta noção indefinida, é que arriscamos de a confundir com a “torre de marfim”, com o corporativismo, com o mandarinato do direito divino, e até mesmo com a simples preguiça. Não existe saber “autônomo” uma vez que estes saberes sempre souberam se ligar por mil canais a um vasto conjunto de práticas do qual eles recebem sua substância e que em troca eles nutrem por sua vez. Neste sentido, jamais houve ciência “autônoma”; toda a história das ciências está lá para mostrar isso.
            Defender a autonomia por ela mesma é um pouco como querer defender os centros das cidades sem ter a consciência de que não existe centro a proteger, pois o que há são periferias e vastos interiores. A autonomia dos “trabalhadores da evidência” não tem um valor absoluto maior do que aquele dos juízes, dos políticos, dos artistas ou dos experts: ela se merece ou ela se perde em função dos serviços prestados ao conjunto do coletivo. Talvez fosse o tempo de defender “a heteronomia” dos saberes colocando esta simples questão: com quem você quer estar ligado para produzir mais livremente os saberes mais avançados? Poderíamos então nos perguntar se a reforma da Universidade não peca antes por falta de audácia. Seria talvez bom que aqueles que se preocupam com as condições de existência do pensamento procurassem o levar mais longe.
            Em que, por exemplo, a manutenção das agregações do superior permite defender “a autonomia” dos saberes em direito, em economia ou em ciência política? Alguém pode justificar a estranha persistência de um CNU, encarregado de avaliar novamente as teses e as carreiras dos colegas no lugar daqueles que, dentro das Universidades, devem trabalhar com eles? A distinção francesa, única no mundo, entre pesquisadores e professores é verdadeiramente necessária à defesa da autonomia? Não poderíamos então, unificando estas duas profissões indissociáveis e distribuindo cada ano responsabilidades livremente em função das demandas da instituição e dos colegas, desenvolver enfim esta ligação – esta heteronomia – entre as ciências e seu público de estudantes?
            E sobre todas estas questões de escolha de colegas, de divisão de tarefas, de avaliação das carreiras, quem é o melhor localizado senão aquele que, na unidade mesmo de produção de saberes, acredita mais no êxito do conjunto (possui mais profundamente o senso de conjunto)? Como se pode defender seriamente a autonomia dos programas de pesquisa e rejeitar a da instituição que permite o exercício desta liberdade?
            Os universitários perderam de tal maneira o gosto da liberdade que começaram a confundir a dependência do Estado com a garantia de excelência. E certo que não se pode esperar muito deles, e que os adeptos do neoliberalismo tenham corrompido o sentido da palavra liberdade. Mas não é por que os sectários da mão visível e aqueles da mão invisível se debatem numa guerra de marionetes, que os pesquisadores não deveriam se entender,  entre eles mesmos e com seus estudantes, para fazerem seus trabalhos avançarem.
            Já faz muito tempo que os governos sucessivos, desesperados por não poder reformar a Universidade, lhes associam com instituições de pesquisas: do Collége de France à EHESS, passando pelo CNRS e por dezenas de organismos alocados em diferentes Ministérios, especializados em um domínio e privados, por sua vez, da energia dos estudantes e da procura do Universal, que deu seu nome a Universidade. É proibido questionar se não seria tempo reverter progressivamente todos estes laboratórios e instituições dispersas em um só meio que lhes permitiria frutificar: das Universidades um sentido mais amplo, datadas enfim de meios de produção de todos os saberes?
            No mais, é correto necessitar ainda de um Ministério que destine somas consideráveis para supervisionar minuciosamente as instituições que poderiam, caso lhe deixassem livres, se virarem sozinhas e muito bem – na condição de que lhes fornecessem os meios financeiros? Aqui ainda, não é o excesso, mas a falta de autonomia que impede as Universidades de decidir livremente enfim suas estratégias de pesquisa e desenvolvimento. Um Ministério enxuto, encarregado da avaliação e da estratégia, não seria suficiente para garantir um mínimo de coerência a um sistema que não é tão desordenado e dispendioso por se buscar nivelá-lo por cima? Como os intelectuais, identificados com a liberdade, podem assim confundir a defesa da autonomia com esta dependência infantil?
            É paradoxal ler todos os dias na imprensa os testemunhos dramáticos de professores e pesquisadores sobre a miséria de suas situações e daí concluir que se deve defender uma sistema insustentável... Pode-se achar todos os defeitos na reforma atual, mas ela tem a vantagem de dar enfim a possibilidade às Universidades de se absterem de suas “tutelas” e começar a gerir seus trabalhos por elas mesmas, recuperando as capacidades de pesquisa que deveriam ter sido criadas fora delas por causa de seu peso e sua passividade. Existem os riscos da deriva? De localismo? De mandarinato? De poder presidencial? Sim, com certeza, mas isso vale sempre mais que a dependência. As universidades ruins desaparecerão, liberando recursos para as outras: o que não significa o extremo de defender a Nobreza do Estado.
            Não existe tarefa mais urgente do que folgar o duplo entrave do Estado e do Mercado sobre a produção dos saberes. A liberdade da pesquisa não funciona sem liberdade para se organizar: possibilitar enfim aos universitários os meios institucionais de produzir uma Ciência autônoma. Nesta aventura, a Universidade não perde outra coisa senão suas correntes!
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