Total de visualizações de página

quinta-feira, 5 de maio de 2011

OPINIÃO: A idade da razão:. A (im)possibilidade do ensino de filosofia no Ensino Médio? (3)

FONTE:http://theoriapratica.org/a-idade-da-razao-a-impossibilidade-do-ensino-0



Que ninguém hesite em se dedicar a filosofia enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, por que ninguém é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito. Quem afirma que a hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que ela já passou, é como se dissesse que ainda não chegou ou que já passou a hora de ser feliz. (Epicuro)


Para Epicuro, não há idade ideal para filosofar.


A epígrafe acima, do grandioso mestre do helenismo, apesar de auto-explicativa, denota bem uma corrente possivelmente a favor da filosofia ensinada na escola. Epicuro não conseguia detectar problema algum em filosofar ainda infante, em condições sociais adversas (como no caso dos escravos) ou mesmo por limitações sociais de gênero. Esse ímpeto democrático para com a filosofia e seu ensino, lhe rendeu extrema impopularidade tanto em sua época, quanto em tempos posteriores. Filosofar é investigar, no sentido mais intenso da palavra. Eis a essência da felicidade a qual o homem busca incessantemente e num trabalho interminável. Não é o caso que Epicuro ateste categoricamente que crianças teriam a capacidade de filosofar, mas que por terem a capacidade de começar cedo a investigar o temas da própria vida, poderiam se desenvolver plausivelmente no campo do saber. No entanto, esse trabalho é uma busca de longa caminhada.


[...] mesmo aquele que possui todo o Saber, necessita para a compreensão mais profunda, em primeiro lugar, a faculdade de tirar o valor exato das suas observações reconduzindo as concepções básicas e definições simples. Somente aquele pode explorar, com sucesso, o universo.[2]


A citação de Olavo de Carvalho exposta na postagem anterior, é enérgica e de certa forma grotesca. Entretanto, não deve ser recebida apenas de modo agressivo, com escândalo e refutação. Parte do que diz aquele pensador brasileiro tem uma grande pertinência na medida em que um jovem possui percepções ainda bastante autênticas, puras e desprovidas de certas discriminações, já que não encontrou ainda muitas resistências na vivência ou possui pouca vivência prática como vimos com Aristóteles e John Locke. Sem contar a forma incipiente e simplória com a qual essa disciplina vem geralmente sendo repassada aos alunos do ensino médio que, convenhamos, são facilmente entediáveis.


Mesmo assim, podemos encontrar intenções teóricas e práticas acerca de como ensinar filosofia aos jovens e percebê-los como aptos a começarem filosofar. E, além de interesses escolares, fazê-los reconhecer que transcender a superficialidade das informações é vital para uma vida adulta capaz de discernir e decidir com consistência. Temos ciência de que jovens (palavra careta por excelência) não possuem domínio abstrativo e lingüístico suficiente para dominar conceitos, nem tampouco exprimi-los e manipulá-los. Mas isso não é uma barreira, é uma escada.

Todavia, tomemos uma situação muito anterior à idade típica do Ensino Médio. Duas crianças e frente a elas dividimos uma torta em tamanhos diferentes e damos a ambas. A criança que receber a fração menor não dirá com propriedade: “isso é injusto!”. Afinal, como aceitamos aqui, ela não conhece de fato esse conceito. Dirá no máximo por mimética, imitando os comportamentos percebidos das ações dos adultos. Mas perceberemos, também, um incômodo grande na criança injustiçada. Esse “incomodo” é uma movimentação das suas idéias em potência, já que a criança se encontra com uma abundância de idéias que constituirão o material de seu futuro conhecimento. São essas potências que devem ser trabalhadas nos jovens. Porém, com uma grande cautela para não tentar forçar a “germinação” apressada e precipitada desses conceitos imanentes nos jovens. Rousseau é bastante feliz quando afirma que nossa sensibilidade é incontestavelmente anterior à nossa inteligência, e que certamente tivemos sentimentos antes de termos idéias.


Não podemos negar, logicamente, que um adulto possue domínio da linguagem incontestavelmente superior a de um jovem. É exatamente isso que diferencia pontualmente essas duas etapas da vida. E é isso que faz com que professores de filosofia desejem muito mais dar aulas em faculdades e universidades do que em escolas. Ressaltando esse tipo de informação, Matthews, Professor da Universidade de Harvard, nos diz:


O adulto tem um domínio da língua superior ao da criança e pelo menos o potencial para dominar com mais segurança os conceitos expressos pela língua. Todavia, é a criança que tem olhos e ouvidos atentos para a perplexidade e a incongruência. As crianças também costumam ter um grau de franqueza e espontaneidade difícil de encontrar nos adultos.[3] 

Pode-se começar a pensar formas de repassar filosofia à essas mentes em desenvolvimento e em processo de atualização, exercendo esse labor educativo com responsabilidade ensinando a indispensável História da Filosofia, trabalhando as temáticas filosóficas, relacionando-as sempre com temas e teses antigas e com problemas contemporâneos. Paulatinamente, é interessante ministrar conteúdos que remetam os alunos a “introdução ao pensar”. Como eu já afirmei, filosofar não é uma atividade que precisa de filosofia. Basta apenas que se exerça a tarefa do pensamento com a profundidade necessária.


 A interdisciplinaridade é uma postura extremamente eficaz. Uma aula de biologia, por exemplo, pode ser complementada numa aula de filosofia que faz um panorama substancial do pensamento de Darwin. De Darwin se passa a Francis Galton e a Eugenia. Dos escritos especistas do primo de Darwin, pode-se fazer uma ligação com os catastróficos desenvolvimentos das pesquisas eugênicas do III Reich. Eis que Biologia, História e Filosofia podem trabalhar juntas. O exemplo, envolvendo o Nazismo, é trágico, mas tão trágica era a maneira pela qual a filosofia vinha sendo repassada. Não é difícil entender o porquê da presença das marcas quase indeléveis a serem removidas devido ao péssimo exercício da filosofia nas salas de aula. É possível dar fim às “Ilhas de saber”.

O importante é acreditar, no fim das contas, que não queremos arquivos de conhecimento a serviço do mercado de trabalho, mas sim alunos com capacidade suficiente de discernimento para conquistar a habilidade de decidir, o que seguir e como fazer. Não se trata aqui de “converter” ninguém ao “filosofismo”. Independentemente de que profissão o jovem desejar seguir, é direito e obrigação receberem a tradição que os precedeu. Ou queremos arquitetos, médicos, analistas e professores desumanizados e descompromissados com os expedientes éticos?


Obviamente que não admitimos aqui um caráter intelectualmente aristocrático em relação ao estudo da filosofia, mas também, não concordamos expressamente com afirmações de certos programas televisivos recentes que afirmam que todos são “filósofos”.


Os futuros e atuais professores de Filosofia devem reconhecer que não só eles – os jovens – são limitados, mas os próprios docentes. Ensinar de forma não interativa é perder tempo. Se já admitimos aqui que as percepções dos jovens são as mais autênticas possíveis, por que não potencializar o senso crítico ainda na escola? Concordamos categoricamente com a idéia central de Comenius[4], quando este diz que não é de fato necessário imputar nada no homem desde o exterior, mas apenas explorar seus potenciais, fazer germinar o que já está “plantado” e apontar ao jovem a sua natureza.

Comenius é o fundador da chamada Didática Moderna.


 
Devemos ter o cuidado de analisar também o aparato didático que tem sido repassado aos alunos das escolas no nosso país. Em sua maioria, “os livros dos que se põem a filosofar sem serem por profissão filósofos – ainda que sejam eminentes físicos, poetas ou políticos - são em geral medíocres e contêm uma filosofia infantilmente ingênua e o mais das vezes falsa.”[5] Óbvio que os livros de comentários ajudam indiscutivelmente, mas é perfeitamente possível ler e interpretar trechos das obras originais dos autores. Para que a parte final desse escrito não pareça pedante e falsamente auto-suficiente, fica a indicação do que na minha humilde opinião é um dos melhores livros de filosofia para a escola. Não vou oferecer sinopse ou resenha para não parecer propaganda. Nada ganhamos com isso. 
 



Sintético e eficaz. Recomendo para todos os professores do E.M


 
Em suma, a Filosofia não perpassa apenas o âmbito educacional, mas também, toca o terreno do ser do homem. Todo homem enquanto existência já compreende o ser – ou o apelo do ser - mesmo sem especular coisa alguma sobre ele e não é necessário ser especialista em filosofia para detectar certos “problemas” existenciais, certos apelos da consciência.


Filosofia é um assunto que não interessa só ao especialista porque, — por mais estranho que isto pareça — provavelmente não há homem que não filosofe; ou pelo menos, todo homem se torna filósofo em alguma circunstância da vida. Isto vale, antes de tudo, para os nossos cientistas, historiadores e artistas. Todos eles, mais cedo ou mais tarde, costumam ocupar-se com a filosofia […] o importante é que todos nós filosofamos, e até parece que estamos obrigados a filosofar.[6] 


The end.

[1] EPICURO. Carta a Meneceu. São Paulo: UNESP, 2002. p.21.
[2] ______. Carta a Heródoto. in: Pensamentos. São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 46.
[3] MATTHEWS, Gareth B. A Filosofia e a Criança. São Paulo, Martins Fontes, 2001. p.46. 
[4] Ele foi o formulador do que conhecemos por Didática Moderna e um dos expoentes da educação do século XVII.
[5] BOCHENSKI, J. M. Diretrizes do Pensamento filosófico. São Paulo: EPU, 1977. p. 21.
[6]Idem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário