22May2011 Autor: Ivan Moraes Filho Categoria(s): AnaCrônicas
Disseram que ia começar às 14h e foi mais ou menos a hora que eu cheguei na Rua da Moeda, onde estava marcada a concentração para a Marcha da Maconha do Recife. Mas eu acho que já deveria saber que quando a galera fala “14h” é mais uma figura de linguagem que significa mais ou menos “naquela hora da tarde”. Pois nesse momento, chamavam mais a atenção os 40 policiais destacados para acompanhar a manifestação que o punhado de ativistas que conversavam sobre futebol-imprensa-PMpaulista-maconha-ministériopúblico-política.
Aproveitei o atraso pra tomar um sorvete e fui sacando a galera que chegava pouco a pouco. Tinha artista, jornalista, advogada, estudante, ambulante, desempregado, médico, psicóloga, ongueiro, funcionário público. Claro que tinha uma túia de produtor cultural, afinal de contas, lembre-se que estamos no Recife. Tinha gente de cabelo rastafari, longo, curto, cacheado, preto, loiro e branco. Tinha até gente sem cabelo nenhum. Gente com a camisa do Sport e do Santa Cruz. Não vi ninguém com a camisa do Náutico, mas devia ter também.
Muita garotada, muitos negros, muitas meninas. Algumas pessoas mais velhas.Um senhor nos seus cinquenta-e-poucos vinha vestido com roupa de missa, sem largar da mão de sua senhora que marchou de saia longa e saltinho. Jovens casais levando a filharada pra participar da caminhada. Crianças que estão aprendendo cedo que às vezes a gente se junta pra mostrar pra todo mundo que tem coisas que estão erradas, mas que podem ser diferentes. A turma da organização chegou e tratou logo de cumprimentar os policiais, reafirmando o compromisso firmado junto ao Ministério Público durante a semana. Sorrisos, apertos de mão, palavras cordiais de um lado e de outro. Gentileza, como devem ser as relações entre pessoas, trabalhando ou não.
Até o tempo resolveu dar uma força. Nem a chuva cabulosa que incomodou durante a semana, nem o sol escaldante que incomoda o ano inteiro.
E caminhamos. E na tarde de domingo, as ruas costumeiramente desartas do Recife Antigo ganharam cores e sons. No carro de som, vozes diferentes alternavam-se para falar sobre o que pretende a manifestação. Argumentos sóbrios procuravam esclarecer sobre o custo social e econômico da legislação atual; sobre o preconceito que sofre o usuário da erva; sobre a relação entre a proibição e o racismo; sobre as propriedades medicinais da planta; sobre a legitimidade de a sociedade unir-se pela mudança.
Entidades diversas demonstraram seu apoio à marcha. Grupos culturais e da juventude, associações feministas, conselhos de classe, organizações não governamentais e partidos políticos de esquerda como o Psol e o PSTU. Como manda o “manual para protestos e demonstrações populares em geral”, as falas eram intercaladas por canções de Edson Gomes, como o clássico “vamos, amigo, lute”, hit nos auto-falantes de sindicatos e afins.
“Óia, óia! Maconheiro é boia!”
Nos ‘gritos de guerra’ entoados durante o percurso, pitadas de irreverências temperavam a marcha. “O latifúndio / é uma vergonha / queremos terra pra plantar maconha”, rimaram. Mais na frente, uma adaptação dos estádios virou “Um, dois, três/ quatro, cinco, mil / queremos que a maconha legalize no Brasil”. Tudo bem, a concordância não tá certa, mas você entende, então não empombe. Também teve vaia pra a Polícia Militar de São Paulo e aplausos para a PM pernambucana, que não registrou nenhuma ocorrência durante a marcha (olha, coronel, que eu também falo quando tem coisa boa!).
Por onde passava, a massa de manifestantes chamava a atenção pela alegria. Na frente de uma igreja, a galera que se esperava a hora de um casamento correu pra ver, sorrir, aplaudir e fazer imagens da marcha. Numa passarela de estacionamento de um xópim center, um casal com os filhos aplaudia o movimento.
Ao final, caminhamos quase duas horas. Foi devagarinho, nem deu pra suar. Mas deu pra encontrar muitos amigos queridos e conversar sobre a crescente politização da marcha e sobre as (boas) mudanças pelas quais nossa sociedade e nossas leis devem passar nos próximos anos. E sobre o prazer que é poder participar desse movimento todo.
Obs. As fotos que ilustram este post foram gentilmente cedidas or João Carlos Mazella. Eu até apareço em uma, você é capaz de encontrar?
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