Assassinato na USP e estupro na UFAC apontam deficiência na segurança das universidades brasileiras
20/05/2011
Quais ferramentas serão necessárias para minimizar o índice de violência no campus? Veja a opinião de especialistas
Em menos de um mês a USP registrou 19 roubos de carros, 10 assaltados e 2 sequestros relâmpagos
"Os campi vivenciam as mesmas problemáticas de qualquer capital, com todas as suas variedades de tipos e gêneros", Armando Luís do Nascimento
A morte do estudante Felipe Ramos de Paiva, 24 anos, dentro do campus da USP (Universidade de São Paulo), na noite da última quarta-feira, 18 de maio, reacende o debate sobre a segurança. Roubos, furtos, tiroteios e estupros, atos de violência que já fazem parte do cotidiano das principais metrópoles brasileiras, são registrados diariamente dentro de instituições de Ensino Superior País afora. Só na USP - maior universidade da América Latina -, desde abril, 19 carros foram roubados, 10 alunos foram assaltados e outros 2 sofreram sequestros relâmpagos. O próprio Paiva já tinha sido vítima de outros dois assaltos.
Por isso, o medo e a insegurança de percorrer no meio acadêmico não é sazonal e aumentam a cada nova ocorrência. O problema, no entanto, não é exclusividade das universidades paulistas. Na tarde da última quinta-feira (19) uma estudante de enfermagem da UFAC (Universidade Federal do Acre), 19 anos, foi rendida por dois homens armados que a obrigaram a entrar num carro. Além do estupro, a aluna foi vítima de espancamento.
O dilema é saber até que ponto e com quais ferramentas serão necessárias para garantir a segurança no campus. Armando Luís do Nascimento, diretor da Comissão Nacional de Gestores de Seguranças nas Instituições Federais, reconhece a existência de violência dentro das universidades brasileiras, principalmente das públicas. "Os campi vivenciam as mesmas problemáticas de qualquer capital, com todas as suas variedades de tipos e gêneros", explica ele, que ressalta a importância de se criar uma segurança preparada para responder às necessidades dessa comunidade. "Até para que o índice de violência não cresça no mesmo nível que cresça nas metrópoles", justifica ele.
As principais ocorrências nas instituições federais, de acordo com Nascimento, são os furtos e os roubos de carros. A média nacional é de três a quatro furtos por dia em cada uma das universidades que integram o sistema federal de ensino. Cerca de seis roubos de carros ocorrem por mês nos campi. "Os índices oscilam de acordo com a organização da segurança das universidades", garante ele, que cita a UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), da UFPA (Universidade Federal do Pará) e UFPE (Universidade Federal do Pernambuco) como boas referências.
Segundo Paulo Sette Câmara Filho, diretor de segurança da UFPA, a eficiência do sistema de segurança implementado na universidade está refletindo diretamente nos números de ocorrências. "Os arrombamentos caíram de 54, em 2001, para 5, em 2009. Os casos de roubos, em comparação ao mesmo período, despencaram de 25 a 4", aponta ele, que considera as ameaças e agressões envolvendo os próprios estudantes ainda um desafio para a instituição, já que as taxas da ocorrência aumentaram de 10 para 21, no intervalo analisado neste levantamento.
Além de criar uma diretora própria de segurança, Câmara Filho diz que a UFPA investe tanto no controle, como na inteligência e na vigilância. "Ao todo, são 71 vigilantes desarmados que pertencem ao quadro efetivo da universidade e 321 terceirizados armados para combater a violência nos onze campi", afirma ele. Câmara Filho também aponta a eficiência do uso da tecnologia. "Há câmaras de alta resolução em vários institutos e nas áreas externas e uma central de alarme e monitoria", acrescenta ele, que diz ter resolvido vários incidentes a partir do uso desses mecanismos.
A preocupação da UFPE com a segurança está implícita no volume de recursos que ela investe no setor. De acordo com Nascimento, que também é assessor de segurança institucional da universidade pernambucana, são investidos R$ 5 milhões por ano. "A efetividade da segurança está na construção de um batalhão especializado dentro da própria universidade, assim como é feito nos Estados Unidos. Isso, no entanto, demanda verba", declara ele. "Para isso, nós investimentos na contratação de pessoal preparado, na capacitação dos funcionários e na compra de equipamentos tecnológicos", completa ele.
Ainda que não haja um controle nacional do panorama da segurança das universidades municipais e estaduais, Antônio Joaquim Bastos da Silva, presidente da Abruem (Associação Brasileira dos Reitores das Universidades Estaduais e Municipais) e reitor da UESC (Universidade Estadual de Santa Cruz), acredita que a realidade do setor é similar à das instituições federais. "As violências fazem parte do campus, mas sempre há aquelas universidades que conseguem controlar mais os incidentes", analisa.
Na opinião de Silva, a maior vulnerabilidade da segurança nas universidades públicas é o livre acesso. "Na UESC, por exemplo, circulam diariamente cerca de onze mil pessoas. Seu espaço é público, portanto não há como restringir a entrada. Além disso, uma de nossas responsabilidades é garantir integração com a sociedade do entorno", argumenta o presidente da Abruem. A tendência, portanto, é que as instituições privadas - que geralmente limitam a entrada a estudantes, professores e funcionários - tenham menores índices de violência. E mais, a maioria das construções dos campi privados é vertical e bem menor se comparada às cidades universitárias.
A PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) é uma das exceções no País. Além de abrir seus portões para toda a comunidade, mantém um campus de 100 mil metros quadrados e com a circulação de 20 mil pessoas por dia. "Sabendo da violência da região em que a universidade está situada, investimos maciçamente na segurança, com o auxílio de160 seguranças e câmeras espalhadas em lugares estratégicos", diz Augusto Sampaio, vice-reitor para assuntos comunitários da PUC-Rio, que diz estar satisfeito com o resultado da metodologia adotada. Um único caso mais grave que aconteceu na instituição foi há dez anos. "O sequestro de um aluno no estacionamento, mas os ladrões profissionais já estavam seguindo ele há um tempo", afirma Sampaio.
Para minimizar os riscos do acesso ilimitado, Silva sugere o controle da entrada e saída de todos. "Basta que as cancelas, bem como os acessos às dependências das instituições, tenham um sistema de controle dos visitantes, alunos e professores - seja por cartão magnético ou até mesmo por impressão digital", sugere ele. Segundo Silva, a metodologia, assim como as câmeras, inibe a ação dos criminosos. "Até porque a universidade controlará todos os movimentos daqueles que tiverem interesse em circular por suas dependências", defende ele.
Outra vulnerabilidade da segurança nas universidades públicas e privadas é o descuido dos próprios estudantes. É o que afirma o diretor de Segurança da UFPA, que relaciona a maioria das ocorrências dos furtos à falta de atenção. "Há pessoas que deixam malas e celulares na mesa da lanchonete, enquanto fazem seu pedido", exemplifica Câmara Filho. O consumo de bebida alcoólica e o uso de drogas, seja em festas estudantis ou não, também propiciam atos de violência. "Para minimizar essas ocorrências, na UESC fazemos diversas campanhas contra o uso de drogas, além de proibir a venda de bebidas e cigarros no campus", conta Silva.
Nascimento sugere ainda o uso da tecnologia da informação, para a transformação de dados em conhecimentos e, por fim, em estratégias. "Se a universidade tiver o controle dos atos de violência que acontecem em seus campi, poderá agir de forma mais estratégica, com mais eficiência e até menos custo", recomenda ele.
Os arredores
As violências parecem ser ainda mais frequentes nos limites que dividem o espaço universitário e o urbano. Qual é a responsabilidade da universidade nesses casos? Para responder a essa questão, Nascimento faz uma comparação do compromisso da universidade com a legislação do trabalho. "Se um funcionário sofre qualquer lesão no caminho entra a casa e o trabalho, a lei caracteriza o incidente como acidente de percurso, sendo assim a responsabilidade é da empresa", cita ele, que acredita que essa deva ser a mesma conduta da universidade. "Segurança é sim um dever do estado, mas direito e obrigação de todos".
Para resolver essa problemática, o assessor de segurança da UFPE decidiu fechar uma parceria com a polícia militar de Pernambuco. "O programa Polícia Amiga mantém uma conexão entre os vigilantes do campus e a polícia, que também oferece viaturas nas entradas da universidade nos horários de maior movimento", explica Nascimento, que pretende expandir essa parceria com os demais comércios que ficam no entorno da universidade. "Se unirmos os esforços, o entorno ficará mais seguro para todos, inclusive para nossos alunos e professores", acrescenta.
A presença de polícia no campus é, no entanto, uma polêmica que se arrastada desde a ditadura militar. O DCE Livre da UFGRS propôs uma parceria à universidade com a Brigada Militar do Rio Grande do Sul, mas segundo o presidente do diretório a proposta não foi aceita. "A instituição alegou que a medida poderia comprometer sua autonomia. Portanto a atuação dos parceiros acabou limitado ao entorno do campus", conta Pretto, que defende a colaboração dos militares. "Se a universidade não consegue garantir a integridade física de seus alunos, é preciso encontrar meios para que essa garantia seja efetiva", critica ele.
Ferindo ou não sua autonomia, a pedido da própria reitoria, a guarda universitária da USP - com aproximadamente 130 vigias desarmados – tem recebido o apoio da polícia civil desde o fim de abril.
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