Ontem, 28.09.2011, à tarde, entre as 17h e 18h uma aluna se jogou dos andares superiores do CFCH-UFPE. Mais um caso entre muitos, a maioria não divulgados pela mídia local e pouco conhecidos pela sociedade pernambucana, a não ser como boatos. Até quando?
Há algum problema em uma sociedade em que uns morrem de fome e outros morrem de tédio. [autor desconhecido]
Há algum problema em uma sociedade em que uns morrem de fome e outros morrem de tédio. [autor desconhecido]
Durante anos, o prédio do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) da Universidade Federal de Pernambuco tem ganhado fama como lugar usado para dar fim à vida, ou, em palavras mais diretas, lugar propício para o suicídio. Nas décadas de existência do edifício de 15 andares ocorreram va?ios casos do gênero. Em geral, os fatos causam comoção entre funcionários e alunos, mas raramente são publicizados fora da comunidade acadêmica. Por quê?
Sabe-se que é uma espécie de convenção ética no jornalismo não divulgar casos de suicídio, pois entende-se que a propaganda pode ser um incentivo à prática. E é de fato incômodo quando algo assim ocorre. No entanto, não podemos fechar os olhos e a boca mais uma vez. É negligência. Nos últimos 3 meses foram 3 casos, e continuarão a acontecer mais se novamente fizermos silêncio. Já está claro que o suicídio não é uma questão religiosa ou moral. É social. Temos que dicutir.
Ora, uma sociedade fundada na opressão gera inúmeras doenças entre seus integrantes. E não precisamos sair da universidade para perceber estas consequências: não é incomum encontrar funcionários hipocondríacos, alcoolistas, depressivos... O trabalho maçante, desestimulante e repetitivo é para um funcionário público de um mal tão grande quanto o imperativo dos prazos para um funcionário de empresa privada. O corpo padece da doença que a estrutura social impõe aos sujeitos.
E a mente também: a norma de beleza branca e feliz (a la comercial de margarina) não é nem de longe a realidade da maioria da população. A necessidade de adequar o corpo, aparência e o cotidiano a um padrão para muitos inatingível (pois, afinal, nem todos somos "bonitos", nem todos somos felizes) penaliza os que se recusam a encaixar no molde. Quem frequentou a UFPE nos últimos anos certamente lembrará de Zoltan, estudante para muitos estranho, para alguns amigo, que faleceu em 2007 de forma similar no mesmo CFCH.
Por isso é inaceitável que a Universidade trate um suicídio como um mero ato de desequilíbrio individual. É pouco lamentar cada caso e divulgar notas oficiais, como se fossem atos isolados e dependessem apenas da disposição pessoal em cotinuar vivo ou não. Conversando com funcionários que testemunharam alguns casos, entende-se que a maioria dos suicidas na UFPE estava em claro processo de surto. Os motivos são incertos. Mas é certo que a quantidade indica ser necessária uma política séria em relação ao tema. Esconder esta realidade social por tabu ou preconceito é estimular a ignorância (afinal, esta é a terceira causa de morte não-natural no Brasil). O problema não é acabar com a própria vida, é fazê-lo por desespero; como parecem ter sido os casos da UFPE. É urgente discutir amplamente o suicídio e tratá-lo como uma questão social e de saúde.
Mas não é esse o caminho que a Universidade está trilhando. Recentemente, foi feito um gasto exorbitante na instalação de grades em todas as varandas do CFCH. Isto só afasta a questão das vistas dos alunos e servidores por supostamente evitar que mais pessoas usem o prédio como instrumento de suicídio. Mas de forma alguma ajuda no tratamento dos surtos. Pelo contrário, joga a questão para debaixo do tapete tentando evitar o "como" e eliminando o debate em torno da questão central: o "por quê."
Basta de política enxuga-gelo
Colocar uma grade para evitar suicídio é tão ineficiente quanto a política atual da universidade de obrigar cadeirantes, deficientes físicos, mulheres grávidas e transeuntes de bicicleta a (não) passar todos os dias pelas catracas nas entradas do campus, sob o argumento de diminuir a violência. Falácia: as grades lá estão e mais uma pessoa pulou ontem. Soluções mais competentes e baratas que as grades passam pela educação preventiva. Uma delas é a criação de plantões 24h para emergências psiquiátricas e/ou a contratação de mais profissionais de saúde para reforçar a Clínica de Psiciologia, já em funcionamento no prédio. Ademais, a UFPE deve promover treinamentos com os funcionários do CFCH, pois alguns deles vêem os suicidas em surto e nem sempre têm a percepção do que acontece ou não sabem como proceder. Medidas sérias e comprometidas não dependem de licitações e investimentos financeiros gordos. Dependem de vontade política e disposição para encarar o tema de frente.
Fingir que o suicídio não acontece "para não estimular" equivale a dizer que não devemos falar de homossexualidade para não incentivar a relação entre pessoas do mesmo sexo. Moralismo ou ignorância, das duas uma. Ou as duas. Se não houver debate e soluções preventivas, Universidade e sociedade vão encerrar cada caso com a limpeza do local e a retirada dos corpos. Como se a limpeza do IML conseguisse eliminar a opressão e negligência por trás das mortes. Quem dera.
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Sabe-se que é uma espécie de convenção ética no jornalismo não divulgar casos de suicídio, pois entende-se que a propaganda pode ser um incentivo à prática. E é de fato incômodo quando algo assim ocorre. No entanto, não podemos fechar os olhos e a boca mais uma vez. É negligência. Nos últimos 3 meses foram 3 casos, e continuarão a acontecer mais se novamente fizermos silêncio. Já está claro que o suicídio não é uma questão religiosa ou moral. É social. Temos que dicutir.
Ora, uma sociedade fundada na opressão gera inúmeras doenças entre seus integrantes. E não precisamos sair da universidade para perceber estas consequências: não é incomum encontrar funcionários hipocondríacos, alcoolistas, depressivos... O trabalho maçante, desestimulante e repetitivo é para um funcionário público de um mal tão grande quanto o imperativo dos prazos para um funcionário de empresa privada. O corpo padece da doença que a estrutura social impõe aos sujeitos.
E a mente também: a norma de beleza branca e feliz (a la comercial de margarina) não é nem de longe a realidade da maioria da população. A necessidade de adequar o corpo, aparência e o cotidiano a um padrão para muitos inatingível (pois, afinal, nem todos somos "bonitos", nem todos somos felizes) penaliza os que se recusam a encaixar no molde. Quem frequentou a UFPE nos últimos anos certamente lembrará de Zoltan, estudante para muitos estranho, para alguns amigo, que faleceu em 2007 de forma similar no mesmo CFCH.
Por isso é inaceitável que a Universidade trate um suicídio como um mero ato de desequilíbrio individual. É pouco lamentar cada caso e divulgar notas oficiais, como se fossem atos isolados e dependessem apenas da disposição pessoal em cotinuar vivo ou não. Conversando com funcionários que testemunharam alguns casos, entende-se que a maioria dos suicidas na UFPE estava em claro processo de surto. Os motivos são incertos. Mas é certo que a quantidade indica ser necessária uma política séria em relação ao tema. Esconder esta realidade social por tabu ou preconceito é estimular a ignorância (afinal, esta é a terceira causa de morte não-natural no Brasil). O problema não é acabar com a própria vida, é fazê-lo por desespero; como parecem ter sido os casos da UFPE. É urgente discutir amplamente o suicídio e tratá-lo como uma questão social e de saúde.
Mas não é esse o caminho que a Universidade está trilhando. Recentemente, foi feito um gasto exorbitante na instalação de grades em todas as varandas do CFCH. Isto só afasta a questão das vistas dos alunos e servidores por supostamente evitar que mais pessoas usem o prédio como instrumento de suicídio. Mas de forma alguma ajuda no tratamento dos surtos. Pelo contrário, joga a questão para debaixo do tapete tentando evitar o "como" e eliminando o debate em torno da questão central: o "por quê."
Basta de política enxuga-gelo
Colocar uma grade para evitar suicídio é tão ineficiente quanto a política atual da universidade de obrigar cadeirantes, deficientes físicos, mulheres grávidas e transeuntes de bicicleta a (não) passar todos os dias pelas catracas nas entradas do campus, sob o argumento de diminuir a violência. Falácia: as grades lá estão e mais uma pessoa pulou ontem. Soluções mais competentes e baratas que as grades passam pela educação preventiva. Uma delas é a criação de plantões 24h para emergências psiquiátricas e/ou a contratação de mais profissionais de saúde para reforçar a Clínica de Psiciologia, já em funcionamento no prédio. Ademais, a UFPE deve promover treinamentos com os funcionários do CFCH, pois alguns deles vêem os suicidas em surto e nem sempre têm a percepção do que acontece ou não sabem como proceder. Medidas sérias e comprometidas não dependem de licitações e investimentos financeiros gordos. Dependem de vontade política e disposição para encarar o tema de frente.
Fingir que o suicídio não acontece "para não estimular" equivale a dizer que não devemos falar de homossexualidade para não incentivar a relação entre pessoas do mesmo sexo. Moralismo ou ignorância, das duas uma. Ou as duas. Se não houver debate e soluções preventivas, Universidade e sociedade vão encerrar cada caso com a limpeza do local e a retirada dos corpos. Como se a limpeza do IML conseguisse eliminar a opressão e negligência por trás das mortes. Quem dera.
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