Resenha de Dimas Brasileiro Veras sobre o livro “O PENSAMENTO DAS JUVENTUDES BRASILEIRAS NO SÉCULO XX” (Organizado por Michel Zaidan Filho e Otávio Luiz Machado, Recife, Editora Universitária da UFPE, 2010).
Fonte: Revista Estudos Universitários (UFPE), n. 26, dez. 2010
Fonte: Revista Estudos Universitários (UFPE), n. 26, dez. 2010
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História oral e história da juventude contemporânea formam uma união metodológica de todo sedutora. Se por um lado o pesquisador se mune de um novo arsenal para reinventar o passado, os brasileiros e as brasileiras na qualidade de depoentes têm a oportunidade de expressar como conceberam sua própria juventude ou aquela de tempos passados. Assim, pesquisadores e depoentes de todas as idades redescobrem a história da juventude brasileira ao mesmo tempo em que reinventam esta no presente.
Estas idéias talvez sejam a linha que orienta os relatos reunidos por Michel Zaidan e Otávio Luiz Machado em “O pensamento das juventudes brasileiras no século XX”. A publicação foi viabilizada pela benfazeja Série Extensão do Edital de Publicação da Pró-Reitoria de Extensão (PROEXT) em parceria com a Editora Universitária da UFPE, que busca promover a ampliação e a difusão de conhecimento produzido pela comunidade acadêmica desta mesma instituição de ensino superior.
As vozes que compõem o livro foram coletadas ao longo de vários projetos de pesquisa e extensão que visavam a subsidiar e fomentar investigações, acervos e redes de colaboração em torno da juventude como objeto de estudo das ciências humanas. Empreitada que, além de contribuir com a formação de jovens pesquisadores, teve o mérito de reunir uma ampla documentação sobre essa categoria sócio-histórica que é o jovem e a juventude brasileira. Acervo a partir do qual o historiador, o cientista social ou o escritor podem desvelar as práticas e as enunciações coletivas que constituíram ou não o ser jovem, bem como do estudante como categoria política, ao longo de nossa história recente.
São, no total, trinta e duas entrevistas coletadas em ocasiões diferentes pelos organizadores. Algumas realizadas pessoalmente, outras retiradas de fontes secundárias. Desta forma, contemplaram momentos heterogêneos da história brasileira, a começar pela Revolta da Chibata no início do século XX, passando pelo Estado Novo e pela Segunda Guerra Mundial, pela experiência democrática dos anos 1950-60 e seu sinistro desfecho em 1964, bem como por toda resistência política que deságua no movimento de Anistia, na redemocratização e na criação do Partido dos Trabalhadores nos anos 1980. Para além das virtualidades heurísticas e da valorização dos infantes agentes políticos perante a incrédula sociedade brasileira, os relatos podem e devem reafirmar a confiança dos jovens em si mesmo, destacando as práticas e as representações da juventude organizada como motor de transformação radical do presente.
Cabe, portanto, sublinhar alguns grupos de entrevistas que separamos de acordo com suas próprias similitudes internas. As anotações do “Almirante Negro” João Cândido, um dos líderes da revolta da Marinha brasileira que aboliria o suplício aplicado à marujada de baixa patente “Revolta da Chibata – 1910), remete a outros relatos de lideranças populares como Elvira Boni, Gregório Bezerra, José Dazinho, Maria Ferreira Dias (Dona Mariazinha), Elizabeth Teixeira, João Paulo e Nelson Triunfo. Falas nas quais se sobressaem aspectos das lutas sociais pautados nos seguintes pontos: educação e cultura popular, associativismo, ajuda mútua, organizações comunitárias e reivindicações de gênero. Por outro lado, os limites desta atuação dos movimentos sociais são expostos em descrições dolorosas dos reveses ocasionado muitas vezes pelos equívocos dos próprios agentes, mas, sobretudo, pelos dispositivos de controle e punição que cerceiam a atuação dos movimentos sociais.
Em outro veio, as narrativas ajudam a tecer aspectos da história do movimento estudantil brasileiro: da criação da UNE no final dos anos 1930, passando pela luta armada nos anos 1960-70 e, finalmente, o processo de redemocratização. Os assuntos estão espalhados nas falas dos entrevistados, mas trazendo bastante informação sobre o cotidiano, as greves, as correntes, as moradias, as lutas, as ações culturais, as bandeiras, as divergências internas, as alianças com o movimento sindical. Fica-se inclinado a pontuar as narrativas sobre a mobilização nacional “O Petróleo é Nosso” que conquistaria a criação da Petrobrás. Longe do saudosismo, as narrativas sugerem ao leitor refletir sobre as lutas do presente em torno da descoberta da camada “Pré-Sal” e dos benefícios que uma gestão democrática, nacionalista e solidária da descoberta poderia trazer à juventude brasileira. Sem populismos, esta é uma questão que não pode deixar de ser discutidas nos programas construídos pelos futuros candidatos a presidente neste ano de 2010. Neste quadro de lutas do movimento estudantil encontram-se os relatos de Irum Sant´Anna, Antônio Dias Leite, Roberto Gusmão, Genival Barbosa Guimarães, Cristovam Buarque, Ricardo Apgaua, João Batista dos Mares Guia, Honestino Guimarães, Jorge Batista, Doralina Rodrigues, Lúcia Barros Gonçalves. Outro segmento de narrativa se inscreve dentro deste grupo maior sobre o movimento estudantil possibilita ao leitor refletir sobre o surgimento do Partido dos Trabalhadores. Aparecem falas como a de José Dirceu, João Paulo Lima e Silva e Humberto Costa.
Em outra perspectiva, encontram-se os ricos depoimentos dos jornalistas e comunicadores sociais que atuaram na mídia institucional nos anos de repressão. Narrativas que ajudam a caracterizar a censura nos meios de comunicação, bem como as técnicas postas em jogo ou não pelos jovens jornalistas para burlar a repressão à liberdade de expressão. Dentro deste grupo, incluem-se Ivanildo Sampaio de Souza, Divane Carvalho, Francisco José, Clarice Herzog e Maria Tereza Lopes Teixeira.
Por fim, a militância cultural se faz presente através da fala de Abelardo da Hora, sobre o cenário cultural e político do Recife e, sobretudo, sobre o Atelier Coletivo e o Movimento de Cultura Popular, sendo seu cinqüentenário neste ano de 2010. Bem como a apresentação dos jovens artistas de Minas, por Fernando Brant, as vivências na USP do “global” Edson Celulari, e, finalmente, o pernambucano Nelson Triunfo, ajudando a compreender a força e a atualidade da cultura negra brasileira, do Funk ao Hip Hop.
Narrativas heterogêneas em torno da cultura como instrumento ativo da cidadania e da luta política das minorias, que somadas aos sotaques das outras falas presentes no livro, como aquela de Apolônio de Carvalho sobre a silenciada geração socialista do Exército Brasileiro, podem servir a uma compreensão menos totalitária da história recente ou imediata do Brasil.
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História oral e história da juventude contemporânea formam uma união metodológica de todo sedutora. Se por um lado o pesquisador se mune de um novo arsenal para reinventar o passado, os brasileiros e as brasileiras na qualidade de depoentes têm a oportunidade de expressar como conceberam sua própria juventude ou aquela de tempos passados. Assim, pesquisadores e depoentes de todas as idades redescobrem a história da juventude brasileira ao mesmo tempo em que reinventam esta no presente.
Estas idéias talvez sejam a linha que orienta os relatos reunidos por Michel Zaidan e Otávio Luiz Machado em “O pensamento das juventudes brasileiras no século XX”. A publicação foi viabilizada pela benfazeja Série Extensão do Edital de Publicação da Pró-Reitoria de Extensão (PROEXT) em parceria com a Editora Universitária da UFPE, que busca promover a ampliação e a difusão de conhecimento produzido pela comunidade acadêmica desta mesma instituição de ensino superior.
As vozes que compõem o livro foram coletadas ao longo de vários projetos de pesquisa e extensão que visavam a subsidiar e fomentar investigações, acervos e redes de colaboração em torno da juventude como objeto de estudo das ciências humanas. Empreitada que, além de contribuir com a formação de jovens pesquisadores, teve o mérito de reunir uma ampla documentação sobre essa categoria sócio-histórica que é o jovem e a juventude brasileira. Acervo a partir do qual o historiador, o cientista social ou o escritor podem desvelar as práticas e as enunciações coletivas que constituíram ou não o ser jovem, bem como do estudante como categoria política, ao longo de nossa história recente.
São, no total, trinta e duas entrevistas coletadas em ocasiões diferentes pelos organizadores. Algumas realizadas pessoalmente, outras retiradas de fontes secundárias. Desta forma, contemplaram momentos heterogêneos da história brasileira, a começar pela Revolta da Chibata no início do século XX, passando pelo Estado Novo e pela Segunda Guerra Mundial, pela experiência democrática dos anos 1950-60 e seu sinistro desfecho em 1964, bem como por toda resistência política que deságua no movimento de Anistia, na redemocratização e na criação do Partido dos Trabalhadores nos anos 1980. Para além das virtualidades heurísticas e da valorização dos infantes agentes políticos perante a incrédula sociedade brasileira, os relatos podem e devem reafirmar a confiança dos jovens em si mesmo, destacando as práticas e as representações da juventude organizada como motor de transformação radical do presente.
Cabe, portanto, sublinhar alguns grupos de entrevistas que separamos de acordo com suas próprias similitudes internas. As anotações do “Almirante Negro” João Cândido, um dos líderes da revolta da Marinha brasileira que aboliria o suplício aplicado à marujada de baixa patente “Revolta da Chibata – 1910), remete a outros relatos de lideranças populares como Elvira Boni, Gregório Bezerra, José Dazinho, Maria Ferreira Dias (Dona Mariazinha), Elizabeth Teixeira, João Paulo e Nelson Triunfo. Falas nas quais se sobressaem aspectos das lutas sociais pautados nos seguintes pontos: educação e cultura popular, associativismo, ajuda mútua, organizações comunitárias e reivindicações de gênero. Por outro lado, os limites desta atuação dos movimentos sociais são expostos em descrições dolorosas dos reveses ocasionado muitas vezes pelos equívocos dos próprios agentes, mas, sobretudo, pelos dispositivos de controle e punição que cerceiam a atuação dos movimentos sociais.
Em outro veio, as narrativas ajudam a tecer aspectos da história do movimento estudantil brasileiro: da criação da UNE no final dos anos 1930, passando pela luta armada nos anos 1960-70 e, finalmente, o processo de redemocratização. Os assuntos estão espalhados nas falas dos entrevistados, mas trazendo bastante informação sobre o cotidiano, as greves, as correntes, as moradias, as lutas, as ações culturais, as bandeiras, as divergências internas, as alianças com o movimento sindical. Fica-se inclinado a pontuar as narrativas sobre a mobilização nacional “O Petróleo é Nosso” que conquistaria a criação da Petrobrás. Longe do saudosismo, as narrativas sugerem ao leitor refletir sobre as lutas do presente em torno da descoberta da camada “Pré-Sal” e dos benefícios que uma gestão democrática, nacionalista e solidária da descoberta poderia trazer à juventude brasileira. Sem populismos, esta é uma questão que não pode deixar de ser discutidas nos programas construídos pelos futuros candidatos a presidente neste ano de 2010. Neste quadro de lutas do movimento estudantil encontram-se os relatos de Irum Sant´Anna, Antônio Dias Leite, Roberto Gusmão, Genival Barbosa Guimarães, Cristovam Buarque, Ricardo Apgaua, João Batista dos Mares Guia, Honestino Guimarães, Jorge Batista, Doralina Rodrigues, Lúcia Barros Gonçalves. Outro segmento de narrativa se inscreve dentro deste grupo maior sobre o movimento estudantil possibilita ao leitor refletir sobre o surgimento do Partido dos Trabalhadores. Aparecem falas como a de José Dirceu, João Paulo Lima e Silva e Humberto Costa.
Em outra perspectiva, encontram-se os ricos depoimentos dos jornalistas e comunicadores sociais que atuaram na mídia institucional nos anos de repressão. Narrativas que ajudam a caracterizar a censura nos meios de comunicação, bem como as técnicas postas em jogo ou não pelos jovens jornalistas para burlar a repressão à liberdade de expressão. Dentro deste grupo, incluem-se Ivanildo Sampaio de Souza, Divane Carvalho, Francisco José, Clarice Herzog e Maria Tereza Lopes Teixeira.
Por fim, a militância cultural se faz presente através da fala de Abelardo da Hora, sobre o cenário cultural e político do Recife e, sobretudo, sobre o Atelier Coletivo e o Movimento de Cultura Popular, sendo seu cinqüentenário neste ano de 2010. Bem como a apresentação dos jovens artistas de Minas, por Fernando Brant, as vivências na USP do “global” Edson Celulari, e, finalmente, o pernambucano Nelson Triunfo, ajudando a compreender a força e a atualidade da cultura negra brasileira, do Funk ao Hip Hop.
Narrativas heterogêneas em torno da cultura como instrumento ativo da cidadania e da luta política das minorias, que somadas aos sotaques das outras falas presentes no livro, como aquela de Apolônio de Carvalho sobre a silenciada geração socialista do Exército Brasileiro, podem servir a uma compreensão menos totalitária da história recente ou imediata do Brasil.
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