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domingo, 27 de março de 2011

OPINIÃO: A IMPORTÂNCIA DE UM RESTAURANTE UNIVERSITÁRIO NA UFPE (Por Otávio Luiz Machado)


A IMPORTÂNCIA DE UM RESTAURANTE UNIVERSITÁRIO NA UFPE
Otávio Luiz Machado*

*Pesquisador da UFPE
E-mail:
otaviomachado3@yahoo.com.br 


“Era terrível brigar por um prato de comida”.

O Restaurante Universitário (R.U.) da UFPE sempre teve uma importância crucial para os estudantes oriundos das camadas desprivilegiadas que conseguiam superar a barreira do vestibular e entrar numa universidade pública, em especial dos residentes das casas de estudantes, o seu público-alvo durante todo o período que existiu.
A refundação do R.U. no dia 28 de fevereiro, além de representar um momento especial para a instituição, que é o da reparação histórica, também é o retrato de novos tempos na instituição, pois desde 1995 (16 anos atrás) a comunidade não conta com um dos mais fortes instrumentos para a permanência de um estudante numa instituição universitária.
Inaugurado na conjuntura da ditadura militar brasileira, a história do R.U. foi marcada em quase toda a sua existência pelos constantes cortes de recursos, as inconstâncias no seu funcionamento, as longas filas e um enorme descompasso entre as necessidades estudantis com a ação efetiva dos dirigentes universitários e do próprio Ministério da Educação (MEC).
Também foi marca do R.U. o atendimento a milhares de estudantes (a maioria vindos do interior de Pernambuco ou de outros Estados) notoriamente oriundos das camadas desprivilegiadas, o preço acessível aos estudantes (subsidiado ou mesmo gratuito) e uma preocupação constante do movimento estudantil por sua melhoria, sendo ponto de pauta permanente para a mobilização estudantil.
Na gestão de Edinaldo Gomes Bastos (1987-1991), o R.U. sofre a primeira tentativa de fechamento em definitivo, porque o Reitor não conseguia administrar as inúmeras crises com os estudantes, o que o levava a tomar medidas autoritárias ou a solucionar o problema com medidas ineficazes, como a liberação de poucas bolsas para um universo de muitos estudantes que não tinham condições mínimas de se manter na universidade.
O R.U. foi reaberto no começo da gestão do Reitor Éfrem de Aguiar Maranhão (1991-95) após um acordo com o DCE, que se responsabilizou pela sua administração. Foi fechado quando terminava seu mandato, em 1995, após uma gestão delicada do ponto de vista orçamentário, de insensibilidade da administração superior para a importância do R.U. como ponto de convivência universitária, de recursos sempre insuficientes para a assistência estudantil e das inúmeras dificuldades do DCE em continuar a gerir o restaurante.
No Reitorado seguinte, sob a liderança do Professor Mozart Neves Ramos (1996-2003), o R.U. continuou fechado, pois segundo o próprio ex-Reitor Mozart, “no meu período, que foi muito difícil do ponto de vista financeiro, seria impossível assim abrir novamente o restaurante. O dinheiro que tinha para administrar a UFPE era, no meu último ano, em 2003, cerca de R$ 19 milhões, incluindo a manutenção do HC. Para se ter uma idéia, quando fui para a Secretaria de Educação de Pernambuco, esse valor correspondia a um único programa, o de EJA - Educação de Jovens e Adultos. Não havia mesmo condições de assumir, apesar de reconhecer a importância”.
As dificuldades de viabilizar um programa de assistência estudantil robusto nas universidades federais foi uma constante entre os anos de 1995 e 2002, que foi justamente o período do Professor Fernando Henrique Cardoso na Presidência da República, cujos cortes orçamentários deixou inúmeros setores das universidades federais sucateados ou indisponibilizados. Sem falar das “dificuldades” dos gestores em cortar privilégios e investir os recursos da União também nos setores mais fragilizados.
Os estudantes vislumbraram como oportunidade única a reabertura do R.U. durante as eleições para Reitor em 2003 quando, os Professores Amaro Lins e Gilson Edmar, então candidatos da chapa “Pela Mudança da UFPE: Democracia, Qualidade e Compromisso Social” assumiram publicamente a construção de um R.U.
A conjuntura nacional foi extremamente favorável à gestão de Amaro e Gilson, pois além do compromisso do Governo Lula com a ampliação de recursos públicos para as universidades federais, a nomeação de Cristovam Buarque (ex-aluno da UFPE) para o Ministério da Educação era o que faltava para garantir que uma promessa de campanha se tornasse num projeto de verdade.
A pressão do DCE entre 2003 e 2004 contribuiu para a imediata entrada da pauta do R.U. no início da gestão do novo reitorado. Inclusive foi feito um acordo junto ao MEC para a liberação dos recursos visando o início das obras.
O apoio do Professor Nelson Maculan Filho (então Secretário de Ensino Superior do MEC) foi fundamental para que a UFPE assegurasse os recursos suficientes para a construção e instalação de um novo R.U. Uma verba extra-orçamentária foi obtida junto ao MEC em 2005 – durante a gestão do Ministro Tarso Genro – para a finalização do RU, o que impediu qualquer recuo no antigo sonho de construção de um bem público de alto interesse dos estudantes (e de toda a comunidade).
Para o Reitor Amaro Lins, “o ministro foi muito sensível e deu uma grande acolhida ao projeto. Houve um casamento de idéias, de vontade política, entre o MEC e a nossa administração”.
Os desafios para o bom funcionamento do R.U. não são poucos, como a reposição do orçamento a cada ano para a sua manutenção, a necessidade da expansão do número de refeições servidas e o atendimento dos técnicos administrativos e professores nesse processo.
A vitalidade do R.U. certamente vai estar associada ao grau de mobilização de estudantes, técnicos administrativos e professores, considerando que a desmobilização generalizada dos seus movimentos (dentro e fora da UFPE) e a pouca importância dada aos projetos de manutenção acadêmica por parte dos dirigentes universitários contribuíram decisivamente para o fechamento durante vários anos desse importante bem público.
A conquista de um R.U. para a UFPE – que foi fechado numa situação que causa vergonha ao sistema de educação superior brasileira – é fato da mais alta importância para a inclusão social de estudantes oriundos de segmentos populares.
A epigrafe “era terrível brigar por um prato de comida”, que foi retirada do livro do ex-residente Mauro César de Lima da Casa do Estudante Universitário da UFPE e intitulou-se “Vaga Mundo Imundo Mundo: a Saga de um Estudante” , além de ilustrar um período no qual os estudantes da instituição tinham uma assistência estudantil extremamente deficiente e personalista, também apresenta um momento que nunca mais se pretende existir na UFPE.
Ao se comparar dois momentos – hoje e no momento vivido por Mauro Cesar – e analisar o tratamento que era dispensado aos estudantes de camadas populares da UFPE, o que percebemos é que esse perfil de estudante não é mais considerado “coitadinho”, “problema” ou algo “sem solução”, porque a universidade passou por um processo de humanização jamais visto em sua história recente, o que significa dizer que o estudante é um ser humano que precisa ser educado no sentido de fomentar suas potencialidades para torná-lo força ativa na instituição.
Os estudantes de hoje não conheceram a instituição ao longo de sua história, mas certamente precisam considerar que a abertura do R.U. é uma conquista do movimento dos estudantes e das forças progressistas da instituição, que enxergaram no R.U. não apenas como um local para servir refeições a quem precisa, mas um local de cidadania e de aprendizado da instituição.
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