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sábado, 26 de março de 2011

NUCLEAR // Energia polêmica. Confira entrevistas com especialistas

FONTE: http://www.ufpe.br/agencia/index.php?option=com_content&view=article&id=39617:nuclear--energia-polemica-confira-entrevistas-com-especialistas-&catid=9&Itemid=73

NUCLEAR // Energia polêmica. Confira entrevistas com especialistas

20.03.2011
Pernambuco.com
Energia polêmica. Confira entrevistas com especialistas
Manhã do dia 11 de março. Começam a chegar ao Brasil as primeiras notícias sobre um terremoto no Japão, que depois soubemos ter atingido magnitude de 9 graus na escala Richter, seguido de tsunami. O rastro de destruição atingiu inúmeras províncias costeiras e deixou milhares de mortos e desaparecidos. Dos seis reatores da central nuclear de Fukushima Daiichi, situada a 250 quilômetros de Tóquio, três estavam ativos no momento do terremoto e tiveram seus sistemas de resfriamento seriamente danificados. O núcleo do reator 1 se aqueceu tanto que acabou derretendo, liberando material altamente tóxico para a atmosfera.
Há pouco mais de uma semana, o que vemos são rostos de brasileiros perplexos diante das imagens chocantes da tragédia japonesa que chegam pela TV e através da internet. Mas será que todos estão cientes de que o perigo nuclear mora aqui mesmo? O Brasil não é dependente da energia nuclear como o Japão, onde 25% da energia elétrica vêm dessa fonte, maspossui duas usinas - Angra 1 e Angra 2. E uma terceira, Angra 3, está em construção e deve ficar pronta em 2015. Será que as pessoas sabem que o governo brasileiro planeja construir pelo menos mais quatro destas usinas, sendo duas no Nordeste, possivelmente no município pernambucano de Itacuruba, no Sertão?
O Diario foi às ruas para tentar captar o sentimento dos pernambucanos sobre este momento. Encontramos muita desinformação - é como se o desastre nuclear japonês fosse algo distante, descolado da nossa realidade. E não é. O governo federal, embora tenha decidido fazer uma avaliação das condições de segurança de Angra 1 e 2, deve bater o martelo sobre a construção das novas usinas ainda neste ano. Isso num momento em que o mundo inteiro reflete sobre os riscos desse tipo de energia. Alemanha e Suíça suspenderam temporariamente os projetos nessa área. Na França, 75% da energia vem de 19 centrais nucleares e o governo dá sinais de preocupação. Na Índia, decidiu-se realizar revisões técnicas nos reatores.
´A energia nuclear é fonte importante de desenvolvimento tecnológico. Impacta na indústria, na medicina, na agricultura. Mas acho que temos recursos suficientes para atender nossas necessidades energéticas até 2030 ou 2040 sem fazer uso na energia nuclear`, diz o professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da Universidade de São Paulo (USP), Ildo Sauer, doutor em energia nuclear. Segundo ele, se desenvolvermos pelo menos 70% do nosso potencial hidrelétrico e 50% do eólico, não precisaremos de termelétricas convencionais nem de térmicas nucleares.
O problema é que muita gente nem sabe de onde vem a energia elétrica que consome em casa. Será que ela chega nas tomadas e nos bicos de luz por mágica? Alguém aperta um botão e a energia chega, depois aperta outro e a energia falta? Antes fosse fácil assim. A produção e a transmissão de energia elétrica é um negócio complexo, que envolve bilhões de reais e muita tecnologia. Felizmente, mais de 70% da energia que consumimos no Brasil é de fonte hidrelétrica, uma energia limpa e renovável, e 26% de térmicas. Apenas 1,76% vêm de fonte nuclear, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), e há dados de organismos internacionais que apontam para 3%.
´Toda tecnologia tem um risco. O que difere é a dimensão dos acidentes. Se estourar a barragem de uma hidrelétrica, uma grande área será inundada e centenas de pessoas poderão morrer. Mas um acidente nuclear é incomparável, porque contamina gerações inteiras com material radioativo e deixa a terra inóspita por muitos anos`, alerta o professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e doutor em energética, Heitor Scalambrini Costa. Para o especialista, a população não está devidamente informada sobre os riscos da energia nuclear e vem sendo assediada por lobistas. ´Precisamos de debates e de um plebiscito`, defende Heitor.
Depoimentos
Uma catástrofe chega a qualquer momento, ninguém está livre. A gente consome essa energia e nem sabe, mas aqui também corremos o risco de ter acidentes.`

Joselito Rodrigues, corretor
Estou acompanhando a situação do Japão e acho que aquelas pessoas deveriam sair de lá imediatamente. Eu não sabia que tinha usina aqui e isso vai prejudicar muito a gente.`
Gláucia Nascimento, ambulante
O que eu sei é que a energia nuclear é perigosa, só serve para fazer arma e por isso sou contra. No Brasil a gente tem energia natural, do sol, e seria terrível ter uma usina nuclear aqui.`
Fábio Feijó, operador de telemarketing
Morei nove anos no Rio e estou vendo que pode acontecer aqui. Do mesmo jeito que a gente não espera um acidente aqui, eles lá no Japão não esperavam. O perigo é o mesmo.`
Auricéia Rodrigues, comerciante
Acho errado construir usinas nucleares. A gente está vendo a situação no Japão. O que aconteceu lá trouxe muito prejuízo. Eu não sabia que existiam essas usinas no Brasil e acho muito perigoso.`
Jairo Júnior, ambulante
Sei que tem usinas nucleares no Brasil mas não gostaria que chegassem aqui em Pernambuco. A tragédia do Japão é muito triste, é quando o bem pode ser usado para o mal das pessoas que não merecem morrer.`
Alciene Alves, desenhista

Entrevista I

Ildo Sauer, ex-diretor da Petrobras, é mestre em Engenharia Nuclear e Planejamento Energético pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutor em Energia Nuclear pelo Massachusetts Instititute of Technology, dos Estados Unidos, e professor titular do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da Universidade de São Paulo (USP). Ele falou à reportagem do Diario por telefone e defendeu o desenvolvimento da energia nuclear para fins de pesquisa. Para esse especialista, o Brasil possui outras fontes de energia elétrica mais baratas e eficientes, mas o governo vem tentando convencer a população de que a energia nuclear é uma solução milagrosa.
Como o senhor vê a a retomada do programa nuclear brasileiro, diante da
tregédia ocorrida no Japão?
Publiquei em 2008 um artigo mostrando que para o Brasil a retomada de Angra 3 e a construção de outros projetos não eram prioridade, nem do ponto de vista de competitividade nem de necessidade de suprimento de nossas necessidades energéticas. Trabalhei durante três anos, entre 1986 e 1989, na construção de
um reator nuclear para um submarino brasileiro e entendo que a energia nuclear
é fonte importante de desenvolvimento tecnológico. Impacta na indústria, na medicina, na agricultura. Então essa porta não pode ser fechada. Mas acho que temos recursos suficientes para atender nossas necessidades energéticas até 2030 ou 2040 sem fazer uso na energia nuclear.

De que recursos o senhor está falando?
Se desenvolvermos pelo menos 70% do nosso potencial hidrelétrico e 50% do eólico não precisaremos nem de termelétricas convencionais, muito menos de térmicas nucleares. E ainda temos a biomassa e as pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). Somente Angra 3 está orçada em R$ 8 bilhões. Com um orçamento inferior a R$ 3 billhões podemos ter energia nova sem ter que deixar como herança maldita a carga de material radioativo. Ao invés de investirmos R$ 8 bilhões em Angra 3, poderíamos obter a mesma quantidade de energia gerada em hidrelétricas, por exemplo, com R$ 3 bilhões. Com R$ 4 bilhões fazemos usinas éolicas de potência equivalente. Países como China, Japão, Coreia do Sul e a própria França têm investido em energia nuclear porque têm dificuldades de obter energia de outras fontes.

Construir novas usinas não ajudaria no nosso desenvolvimento tecnológico?
Não, porque essas usinas nucleares são pré-fabricadas e nada acrescentam em termos de desenvolvimento tecnológico para o Brasil, a exemplo do acordo Brasil-França onde a Areva fornecerá os equipamentos. É como adquirir aviões e dizer que estamos comprando tecnologia aeronáutica. Não é assim. Com menos de R$ 1 bilhão poderíamos construir um reator de pesquisa de alto fluxo, com materiais para testes nas áreas da física, medicina, agricultura.  Acrescentaria muito mais capacitação e seria um passo correto em direção ao futuro, quando realmente pode ser necessário utilizar energia nuclear. Investir em um reator de pesquisa consolidaria conhecimento e formaria uma nova geração nessa área.

O senhor acha que falta informação à população sobre esse assunto?
Vejo com muita preocupação o assédio a comunidades ribeirinhas do São Francisco, não só de Pernambuco, mas também da Bahia e Alagoas. Estão querendo
convencê-las de que a energia nuclear é uma solução milagrosa. Soube que a
Eletronuclear despachou gente para fazer esse trabalho na região. Infelizmente, no Brasil, o que está predominando é o lobby. A indústria nuclear fica aliciando opiniões. Esse reator mesmo que em que eu estava trabalhando e teve sua construção interrompida, faltavam menos de R$ 500 mil para acabar. É diferente de uma usina cujo único benefício vai ser a obtenção de uma energia que poderia ser obtida por outras fontes, e que vai deixar um lixo que exigirá cuidados extremos por 300 anos e outros cuidados menores por até dois mil anos. Na minha opinião, o que o governo brasileiro deveria fazer era concluir o reator da Marinha e construir um reator de testes, o que  exigiria um investimento de menos de R$ 1 bilhão e diminuiria a dependência
brasileira por isótopos importados.

O que o governo brasileiro deveria fazer, na sua opinião?
É um equívoco concluir Angra 3 e retomar um programa para construir 4 ou 8 novos reatores, isso beira ao inacreditável. As pessoas estão sendo cativadas para aceitar a energia nuclear. É um jogo, pois não é essa população que decide. O governo deveria rever sua posição e ouvir a comunidade científica brasileira, debatendo a questão.

Entrevista II

Heitor Scalambrini Costa é mestre em Ciências e Tecnologias Nucleares pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e doutor em Energética pela Universidade de Marselha/Comissariado de Energia Atômica, na França. Hoje professor associado do Departamento de Engenharia Elétrica da UFPE, Heitor falou ao Diario sobre alguns mitos que circundam a energia nuclear, como a suposta segurança e a ausência de impacto ambiental. Segundo o especialista, a população é quem deveria decidir, através de um plebiscito, se quer ou não a construção dessas usinas no Brasil e, mais especificamente, em Pernambuco.
Como o senhor vê a retomada do programa nuclear brasileiro, diante da
tregédia ocorrida no Japão?
Logo depois de Chernobyl e muito antes do Japão venho questionando as usinas
nucleares. Desde o caráter econômico, porque a energia que elas produzem, mesmo com subsídios governamentais, é mais cara que as demais, o que provocaria um aumento nas tarifas. O investimento também é alto. O custo estimado das duas novas usinas que possivelmente ficarão em Pernambuco é de R$ 10 bilhões, e isso é só o início. Certamente esse valor vai aumentar, podendo chegar a R$ 15 bilhões.

O fator econômico, então, seria o único ponto negativo?
Não. Por mais que se tente minimizar os problemas, o que pode estar ocorrendo no Japão, o que eu mais questiono são os riscos. O que eles dizem é que usina nuclear oferece risco zero. Isso não existe. Toda tecnologia tem um risco. O que difere é a dimensão dos acidentes. Se estourar a barragem de uma hidrelétrica, uma grande área será inundada e centenas de pessoas poderão morrer. Mas um acidente nuclear é incomparável, porque contamina gerações inteiras com material radioativo e deixa a terra inóspita por muitos anos. No Japão, por exemplo, onde o combustível das usinas é uma mistura de urânio e plutônio – e plutônio foi a base da bomba de Nagasaki –, seriam necessários 240 anos para que seu efeito devastador fosse reduzido pela metade.

Esses argumentos seriam suficientes para o governo decidir suspender seu
programa nuclear?
Seriam suficientes para o governo se prevenir antes de remediar, passando a investir mais em energias renováveis como eólica, solar e biomassa. O problema é a chantagem, pois os lobistas vêm presssionando a população para que ela
aceite a energia nuclear como forma de prevenir os famigerados apagões. Acontece que os apagões que estão acontecendo não têm ligação com o desabastecimento e sim com o modelo elétrico mercantilista que foi adotado no país. Hoje, a energia elétrica é vendida como bolacha no supermercado.

Mas a diversificação da matriz energética não é uma necessidade?
Temos que diversificar a matriz, mas sem a energia nuclear. É isso que tem que
ser debatido. A questão ambiental, quando se diz que a nuclear é uma fonte limpa, é uma meia verdade. Se você considerar apenas o processo de geração, é de fato uma energia limpa, mas se você considerar todo o ciclo do combustível, que vai desde a prospecção do minério urânio, seu enriquecimento e a geração do lixo atômico, vai ver que é uma fonte muito poluente. Estudos mostram que esses processos emitem a mesma quantidade de CO2 na atmosfera quanto uma termelétrica a gás.

O senhor acha que a população está devidamente informada sobre esses riscos?
A população não está informada. Essa tecnologia se desenvolveu no sigilo, na época da ditadura militar, desde o acordo Brasil-Alemanha para construção do complexo de Angra. As informações técnicas, econômicas, financeiras e de segurança muitas vezes são consideradas sigilosas e não estão disponíveis publicamente. O que a gente pede é uma democratização da questão energética. A população é quem deve decidir, através de um plebiscito, se quer ou não a construção dessas usinas.

Por Micheline Batista
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