Total de visualizações de página

quinta-feira, 17 de março de 2011

Depoimento de João Carlos Paes Mendonça

Depoimento de João Carlos Paes Mendonça

Entrevista concedida a Otávio Luiz Machado (editada e publicada no livro O PENSAMENTO DAS JUVENTUDES BRASILEIRAS NO SÉCULO XX)

NOME COMPLETO - João Carlos Paes Mendonça
CIDADE NATAL: - Ribeirópolis – Sergipe.
DATA/NASCIMENTO: - 24.06.1938
ATIVIDADE ATUAL: - Empresário
ORIGEM FAMILIAR: - Pedro Paes Mendonça/ Maria Dudu Mendonça FORMAÇAO ESCOLAR: - Administração

1 - Fale rapidamente dos seus sonhos de criança. e a vida familiar, a sua cidade natal (o que mais atraia e o que era menos interessante) e as primeiras letras? Já pensava em ser empresário nesta fase?

R - Quando criança divertia-me trabalhando. Um passatempo para quem era tímido e pobre. Sonhava com uma bicicleta, mas meu pai, seu Pedro, ainda não podia comprá-la. Conformava-me, como garoto de 7 anos de idade, em brincar de esconder e de bola de gude com meus primos. Na realidade fui temperando a disciplina de meu pai com a intuição de minha mãe. Procurei cada vez mais aprender a difícil arte de comercializar. Isso incluía o respeito aos clientes, fornecedores, auxiliares e concorrentes. É possível que já, a partir daí, sem que eu tivesse plena consciência disso, tenha nascido o desejo de um dia crescer e ampliar nossos negócios. Quanto às minhas primeiras letras as aprendi com minha tia Melânia que me transformou certamente em um dos pouquíssimos meninos da Serra do Machado a estudar, no tempo em que a maioria no interior de Sergipe era composta de analfabetos.

2 - Como foi sua aprendizagem empreendedora? O que mais gostava de fazer quando jovem nessa área comercial?

R - As coisas começaram a tomar corpo a partir do momento em que saímos da Serra do Machado para Ribeirópolis. Nos intervalos dos estudos escolares, procurava o aprendizado prático na convivência com meu pai, em seu novo armazém. Eu o acompanhava nas viagens as cidades do interior e à capital, Aracajú. Associava essa iniciativa ao tempo em que subia num tamborete para ajudar a vender querosene às segundas-feiras, dias oficiais da feira em Ribeirópolis. Imitava meu pai em tudo, copiava-lhe a disciplina e procurava aprender às suas melhores técnicas de compra e venda. Não escondo de ninguém que outra ocupação que me rendia algum dinheiro era recolher os frascos vazios que lavava e vendia à Elpídio Rabelo dono da farmácia da cidade. Trabalhar sempre foi prazeroso para mim, desde os primeiros anos na Serra do Machado. Vender era, sem dúvida, o que mais gostava de fazer.

3 - Como definiria as idéias e sonhos da sua geração na juventude?

R - As idéias e sonhos da juventude sergipana não eram muito diferentes das dos demais estados brasileiros. A expectativa da inauguração de Brasília gerava em todos nós o sentimento de que o País caminhava para uma nova posição no cenário mundial. O sonho era crescer, mas tendo a consciência de que, para isso acontecer, seria necessário trabalhar .

4 - O que era ser jovem? Como os jovens de sua geração eram percebidos na sociedade?

R - Eu era um jovem comum. Começara em 1957 a participar da vida empresarial e social de Aracaju. Frequentava clubes, já que eu era sócio dos três principais, jogava pelada na praia todos os domingos com os amigos e praticava basquete no Clube Confiança do qual era um fervoroso torcedor. Cheguei a ser o seu vice-presidente com 19 anos de idade e presidente aos 24. A nossa geração era vista como românticos sonhadores, sentimento que dominou desde o final dos anos 1950 até, aproximadamente, metade da década de 1960.

5 - Quais dificuldades eram percebidas pelos próprios jovens nos diferentes aspectos de suas vidas?

R - A pergunta tem um sentido muito amplo. Prefiro falar sobre coisas que dominavam meu pensamento e projetos que já se desenhavam na minha cabeça. Trabalhar e vencer, abrir mercado de trabalho e satisfazer clientes sempre foram questões fundamentais. Tanto é que no final de 1957, além do atacado de Aracaju, inauguramos, em Própria-SE, uma filial. Em 1960 outro atacado na cidade de Lagarto -SE. Voltamos à Propriá para instalar alí, em 1962, um supermercado piloto e, em 1964, uma usina de beneficiamento de arroz e milho.
Frequentei escola pública, considerada na época a de melhor nivel de ensino, com uma equipe de excelentes professores. Estudava à noite, ainda arranjava tempo para sair com os amigos, após as aulas, chegava tarde em casa, mas às 6h00 da manhã já estava de pé, pronto para a nova jornada de trabalho. Meu pai preocupava-se com os meus horários, mas a juventude me ajudava a ter força e disposição para conciliar todas essas atividades. Longe de mim estava ser um aristocrata. Pertencia a uma classe média que procurava vencer pelo trabalho, com a vista sempre focada no futuro e atento às oportunidades que surgiam.

ATIVIDADE EMPRESARIAL
6 - Como foi tornar-se sócio do seu pai aos vinte anos?

R - Entendi, naquela ocasião, que essa escolha de meu pai era uma relação de extrema confiança. Hoje, fazendo nova avaliação, considero que era uma moderna forma de seu Pedro gerir seus negócios, colocando um jovem, que já trabalhava ao seu lado, como seu único sócio.

7 - Essa transição para a vida adulta foi repleta de desafios.

Resposta: Aprendi, desde cedo, que a disciplina e o senso de organização devem prevalecer nos negócios. Os desafios sempre foram enfrentados dentro desse conjunto de regras. E o primeiro ocorreu três meses após ter me tornado sócio da empresa, em 22 de abril de 1959 quando em casa, na hora do almoço, recebi telefonema de que o armazém de atacado estava sendo consumido pelo fogo. Saí desesperado. A cena foi muito forte, mas não havia nada a fazer. Passado o susto compreendi que nossa família teria de refazer as forças em busca de soluções rápidas. Dez dias depois a loja voltava a funcionar, com prateleiras improvisadas em um armazém-depósito de propriedade de meu tio Mamede e do amigo Antônio Andrade. A solidariedade deles e de alguns amigos foi fundamental para reerguer a empresa que havia perdido mais de dois terços de todo o seu patrimônio em um só dia. A crise dava-me uma lição de resistência e superação. Conseguimos dar a volta por cima e já, no ano seguinte, a firma estava novamente consolidada. Começamos a investir em novas filiais.

8 - Em 1966, na cidade de Recife, quando inaugurou seu primeiro supermercado, tinha noção de que ali estaria se formando a terceira maior rede do país? Qual foi a fórmula do sucesso?

R - Não existe fórmula pré-estabelecida para o sucesso. O que há são regras simples provindas da determinação em alcançar os objetivos, do foco, da coragem de assumir riscos com responsabilidade, do respeito aos funcionários, clientes e pessoas de todos os niveis. Além do mais, acredito no sucesso de pessoas vocacionadas para o negócio, que gostam de gente, que estão atentas às oportunidades que surgem e são apaixonadas pelo que fazem. Os problemas periféricos são resolvidos pela habilidade de cada indivíduo. O crescimento da rede em todo o Nordeste e a posição no ranking nacional foram consequências desses fatores.

9 - Outra questão refere-se à compra do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação, que passava por dificuldades e estava prestes a fechar as portas. O Senhor disse que foi uma atitude nesse sentido muito mais levada pela emoção do que o aspecto empresarial. Comente um pouco sobre esse período.

R - Os recifenses me receberam de braços abertos e demonstraram especial atenção a um sergipano que chegara com a firme disposição de vencer e prestar serviços à comunidade. Ao ser solicitado a ajudar, juntamente com outros empresários, na recuperação da Empresa Jornal do Commercio, procurei fazer a minha parte como filho adotivo dessa terra, para não deixar falir tradicionais veículos de comunicação do estado. Os obstáculos foram inúmeros, primeiro pelas questões trabalhistas e fiscais e, depois, pela necessidade de investir na modernização dos equipamentos, já completamente ultrapassados. Terminei assumindo sozinho essa dificil missão, tendo ao meu lado uma competente e valorosa equipe de profissionais. Foi uma trajetória dura, trabalhosa, mas fomos fazendo as mudanças gradualmente, vencendo todos os obstáculos e se credenciando junto ao público. Hoje, após 22 anos, o Sistema Jornal do Commercio ampliou-se, está totalmente modernizado e os seus veículos trabalham de forma integrada: Jornal do Commercio ( líder em circulação no Norte e Nordeste há 15 anos); o JC ON-Line, o maior portal de notícias; JC Mobile; TV Jornal do Recife e de Caruaru ( afiliadas ao SBT ); Rádio Jornal AM, do Recife ( em primeiro lugar há mais de 17 anos ), as emissoras de Caruaru, Garanhuns, Limoeiro, Pesqueira e Petrolina, além da JC/CBN.

CONCLUSÕES E FINALIZAÇÕES

10 - Como você se sente ao participar da HISTÓRIA DO NORDESTE BRASILEIRO como um empresário de sucesso, que gera diversos empregos e contribui para o desenvolvimento econômico do País?

R - Apenas como um homem comum que procurou colocar em prática os ensinamentos do meu pai Pedro Paes Mendonça. É claro que estou satisfeito com tudo quanto fiz, mas não me considero um “empolgado com o sucesso”. A vaidade não leva à nada. Olho o passado, vejo o presente e a soma das realizações desses dois tempos me dá a certeza de que tenho que projetar o futuro não como simples espectador, mas atuando de maneira sistemática para dar minha parcela de contribuição ao desenvolvimento socioeconômico dessa região. Este é um país que tem pela frente espaço enorme para crescer, mas depende de cada um de nós, empresários e governos, responsáveis por milhões de vidas que povoam essa nação.

11 - Para as gerações seguintes qual a imagem que espera do seu trabalho produzido até o presente? O que espera estar mais associado ao que fez e ainda pretende fazer? O que talvez passará despercebido para as gerações futuras?

R - Basta que eu seja lembrado como um homem que teve paixão pelo que fez, não apenas para servir a si próprio, mas também para contribuir com o bem-estar de cada funcionário ou de cada família que esteve sob minha responsabilidade.
Também espero ser lembrado como um empresário sensível ao social, com a preocupação de promover uma melhor qualidade de vida e oportunidades de crescimento pessoal para os seus conterrâneos da Serra do Machado, em Sergipe, e também capaz de estimular ações de inclusão social para as populações vulneráveis de áreas vizinhas aos negócios do Grupo.
Acredito que essa imagem incentivará, mais ainda, os meus netos a prosseguirem nos caminhos percorridos pelas nossas empresas com firmeza e dedicação.

12 - O que ficou desse empreendedorismo que fez na sua juventude? Ele ainda tem um peso? Ou tudo mudou?

R - O mundo mudou. As coisas mudaram nos últimos 50 anos. E quem não se adaptou aos novos tempos ficou no meio do caminho. O empresário tem de estar atento não apenas para o que está à sua frente, mas para o que virá depois. Saber se antecipar, buscar, cativar e atender o seu mercado dentro da multiplicidade de exigências impostas pela sociedade. E tudo está ocorrendo com muita rapidez. Hoje o mundo está cercado de incertezas como conseqüência da ganância, especulação e descaminhos de valores. É preciso rever objetivos. E nesse refazer deve entrar a visão do empresariado e governos comprometidos com o bem comum. Sacrifícios serão exigidos e muito trabalho também. Está diante de nós uma grande oportunidade de dar um novo rumo a história da economia mundial. Menos ficção e mais realidade .Ser menos pessimista e mais agregador de novas idéias, capazes de dar ao homem e a mulher o direito de serem felizes. Trabalhar com seriedade é o único meio de superar, em médio prazo, as questões que se apresentam no momento.

13 - O que é preciso para ser um bom empresário?

R - Estar atento às mudanças que ocorrem, assim como às oportunidades que surgem, ter foco, assumir riscos com responsabilidade, ter uma estratégia clara e objetiva, que resulte em lucro mas de forma prazerosa, gostar de gente e do que faz.

14 - E qual a maior potencialidade dos empresários no sentido de contribuir com o País?

R - Todo empresário é movido nessa perspectiva. Quanto maior for a abertura do mercado de trabalhado mais se está contribuindo com o desenvolvimento socioeconômico do País.

15 - O interesse público também te motivou a trabalhar na construção de suas empresas?

R - Não sei bem a que interesse público você se refere. Mas se está se reportando à sociedade é correto dizer que toda iniciativa privada espera contribuir produtivamente com o desenvolvimento do bem comum.

16 - O que diria aos jovens que hoje ficam perdidos um tempão indecisos se vão trabalhar ou montar seus negócios? O que precisa ser feito no nosso País para conhecermos de fato a nossa História? - O que falta ao Brasil para construirmos uma sociedade de fato democrática, igualitária, civilizada, com instituições democráticas consolidadas e com a presença de cidadãos de direito?


R - O conhecimento é o melhor instrumento que o jovem pode usar para definir o seu campo de atuação. A internet aí está como mecanismo de pesquisa e formadora de opinião. A indecisão, às vezes, é fruto da ansiedade. Ter calma e não se precipitar pode ajudar nas escolhas. Há histórias de vida de ilustres brasileiros que os jovens precisam conhecer, não para reviver o passado, mas para saber como, onde e de que forma eles contribuíram para o crescimento do País. São exemplos que adaptados aos tempos modernos poderão servir de base para início, meio e fim dos que fazem parte dessa geração que indecisa não sabe qual o caminho a percorrer. A democracia tem sido base fundamental das nossas conquistas. As instituições estão funcionando, a imprensa livre aborda os mais diversificados temas e questões, o povo usa a sua cidadania para exigir os seus direitos, a sociedade, como um todo, tem plena liberdade para apontar as mazelas e os desvios de conduta de empresários e representantes do povo, quer sejam no executivo ou no legislativo e exigem punição. A pressão cada vez maior desse conjunto de atitudes faz com que a impunidade regrida e os atos sejam regidos dentro da forma da lei. É nesse país que acredito e no qual os jovens devem depositar a sua confiança.
Enviar para o Twitter

Nenhum comentário:

Postar um comentário