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quarta-feira, 16 de março de 2011

Depoimento de Chico José publicado no livro O PENSAMENTO DAS JUVENTUDES BRASILEIRAS NO SÉCULO XX


Entrevistador: Otávio Luiz Machado (UFPE)
Projeto: Memória das Juventudes Pernambucanas

Francisco José de Brito (Chico José)


Meu nome completo é Francisco José de Brito. Nasci no dia 01 de maio de 1944, na cidade do Crato, Ceará. Agora estou com sessenta e quatro anos e sou jornalista. Eu nasci num sítio perto da cidade. Meu pai, que era agricultor e fazendeiro, morreu quando eu tinha sete anos. Minha mãe era dona de casa. Ela era filha de agricultores, também..
Quando eu completei dez anos de idade, a minha mãe se casou com um senhor daqui de Pernambuco, Alfredo de Albuquerque Fernandes. Foi quando vim com minnha mãe, Ana Libório de Brito Fernandes, para Pernambuco. A minha infância foi dividida entre os Estados do Ceará e Pernambuco.
Na primeira etapa eu morei num sítio no Ceará. Nasci numa fazenda, montava a cavalo desde os dois anos e pouco de idade. Tenho as fotografias que tiraram na época, quando eu estava em cima de um cavalo. Estudei em grupo escolar de escola municipal.
No início da minha vida aqui em Recife tive duas etapas: uma na Rua Jacobina, nas Graças. O bairro hoje em dia está bastante alterado em função dos edifícios que foram construídos. Era um bairro muito tranqüilo. Dali eu ia andando para o Colégio Americano Batista.
Estudei aqui em Recife no Colégio Independência, que fica na Estância. Depois, no Colégio Americano Batista. Estudei Direito na Universidade Católica de Pernambuco e fiz especialização em Marketing na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro.
O outro bairro onde morei na adolescência, foi Areias. Depois que o meu segundo pai, o meu padrasto, montou uma fábrica de molduras e vidros nesse bairro, fomos morar lá. Continuei estudando no Colégio Independência.
Eu vivi e aproveitei muito a minha infância. Na adolescência eu tinha moto. E era a época daquela juventude transviada. Como eu tenho muitos irmãos e a nossa família foi sempre muito unida, então eu aproveitei muito com meus irmãos essa fase. O que facilitava ainda mais o convívio com eles era estudar nos mesmos colégios.
O nosso lazer era mais o futebol no colégio Americano Batista, que tinha um gramado muito bom. Lá na Estância nós jogávamos futebol num campo de salina. Eu lembro bem que tinha o Botafogo da Estância, que era o time onde eu jogava. E na equipe do colégio, também. Quando saí de Areias para Boa Viagem, passei a jogar vôlei de praia. Nadava muito na praia.
E ainda adolescente eu comecei a mergulhar, a fazer caça submarina. Isso me levou a ter um hobbie, que é o mergulho. Eu mergulho há quarenta anos.
Eu tinha a vida normal de garoto e adolescente, como as festinhas e os aniversários. Nunca fui de bar. Em mesa de bar, quem disser que me viu parado numa mesa de bar, cercado de amigos, jogando conversa fora e voltando bêbado para casa é mentira. Esse negócio de ficar bebendo não é programa pra mim. Onde eu andava, eu levava minha namorada. A minha primeira mulher, que foi a Socorro, eu comecei a namorar quando tínhamos dezesseis anos de idade. Ela é a mãe das minhas filhas Marianne e Carolinne. Por ter começado a namorar cedo, eu não era muito de mesa de bar.
Nessa fase morando na Estância, eu critiquei o Diário da Noite, que era um vespertino do Jornal do Commercio, que se dedicava muito ao esporte. O caderno mais lido de esportes aqui era o do Diário da Noite. Ele tinha a estatística do futebol pernambucano. Eu anotava tudo porque adorava futebol, incluindo os resultados, os gols. E vi que aquela estatística estava errada. Encontramos trinta e quatro erros nal. Até o artilheiro era errado, sem falar no número de gols e nos pontos dos times. Mandei uma correspondência, para a direção do jornal dizendo que estava sendo enganado, porque comprava o jornal para ler esportes e eles estavam fazendo tudo errado. Questionava como é que o jogador tal não tinha feito nenhum gol e aparecia com três. Alguém não estava se dedicando para fazer a estatística.
O editor de Esportes do Diário da Noite era o Aramis Trindade, o saudoso Aramis Trindade, irmão do Boris que marcou época no Jornalismo e na Advocacia. Ele tinha um comentário na resenha esportiva da Rádio Jornal ao meio-dia. E me chamou pelo rádio: “O leitor que corrigiu a estatística do campeonato, por favor venha à redação do Jornal do Commercio”. O pessoal da rua sabia que tinha sido eu, pois fui muito desaforado no que escrevi. No dia seguinte ele chamou de novo. Tomei ânimo e fui. Aramis perguntou: “Você quer ficar fazendo a estatística do campeonato aqui”. Perguntei: “Você vai me pagar?”. Ele respondeu: “No início, não. Só quando eu tiver uma verba para te pagar. Mas você só precisa vir aqui às segundas-feiras cedo. Faz a estatística, porque é só corrigir os números e fica livre”. Eu topei. E começou ali, minha carreira jornalística, por acaso.
Fui ficando na redação, até que um dia faltou um repórter que cobria o Náutico e tinha adoecido. Aramis mandou que eu fosse a Caruaru, cobrir o jogo do Náutico com o Central. Era apenas para pegar os dados da partida e passar para um redator finalizar a matéria. E me instruíram: “você vai, anota tudo, entrevista alguns jogadores e depois deixa aqui para um redator fazer um texto pra você”.
Quando eu voltei, como o jogo foi numa quarta-feira à noite, fui à redação e fiquei lá até o dia amanhecer escrevendo numa máquina antiga. Eu fazia o texto e rasgava. Fazia de novo, até que achei que aquele era o melhor texto para contar a história do jogo. Mas como eu lia muito e costumava comprar o Jornal do Brasil para ler principalmente o caderno de esporte, fiquei confiante no texto que escrevi.
No dia seguinte, para surpresa minha, o texto que fiz, com pequenas modificações, era o texto principal do Jornal, que narrava a vitória do Náutico em Caruaru. Conquistei ali, o direito de ficar cobrindo os treinos e jogos do Náutico, no campeonato pernambucano e depois, na Taça Brasil.
Nessa época não havia ainda a regulamentação da profissão de jornalista. Qualquer pessoa podia chegar num jornal e escrever uma matéria. Isso foi em 1966. Tinha vinte e um anos e ia completar vinte e dois, quando eu entrei.
Comecei a cobrir o Náutico, na época do hexa campeonato. Viajei logo de cara com o Náutico para Porto Alegre, Minas Gerais. Somente com dois meses em que eu estava na redação, então eu viajava muito, porque o time que eu cobria estava sempre em evidência. Era um timaço.
Eu tive bons professores. Primeiro, Aramis Trindade, depois, Ronildo Maia Leite e Carlos Garcia, que criticavam o meu texto, orientavam, cobravam e exigiam boas reportagens. A minha faculdade de Jornalismo foi a redação, minha sala de aulas.
Com seis meses eu fiquei no lugar de Aramis Trindade, porque ele resolveu se dedicar mais ao rádio e à advocacia. Fiquei como editor de Esportes do Diário da Noite. Fui para a cobertura da copa do mundo de 1966, na Inglaterra. Foi a minha primeira copa. Com a crise financeira da época, o Diário da Noite foi extinto e ficou só o Jornal do Commercio. Eu criei a coluna Dois Toques, que até hoje é escrita por Lula Carlos. De um lado era eu, do outro, ele. Quando um dos dois não podia escrever, quem nos substituia era Givanildo Alves.
Passei para o Jornal do Commercio e fui cobrir a copa do mundo de 1970. Antes de entrar na Globo, eu já havia participado de duas coberturas de copas do Mundo, como o único enviado da Empresa Jornal do Commercio, que era a grande empresa jornalística do Nordeste. A única concorrência que tinha era o Diário de Pernambuco, por ser o mais antigo e ter maior tradição.
Sentia, com todas essas experiências, que o que eu queria fazer era mesmo Jornalismo. Quando eu via ao meu lado Paulo Fernando Craveiro, Fernando Menezes, Vladimir Calheiros, Romildo Maia Leite, Carlos Garcia, Arruda, sabia que podia aprender muito com aqueles autênticos professores de Jornalismo.
Fui contemporâneo de Ivanildo Sampaio, que hoje é o diretor de redação do Jornal do Commercio e muitos outros grandes amigos. A dedicação passou a ser total, porque eu entendi que aquela era a minha profissão. Mas eu cheguei a mudar, porque quando retornei da copa de 1970, após três meses no México, o jornal estava no auge da crise financeira. A concorrência foi grande em função da Embratel na época, que mandou as grandes redes de televisão para todo o Brasil. A TV Jornal não tinha condições de concorrer com aquelas emissoras. Isso foi antes dela ser afiliada. E passou a ter muitas dificuldades administrativas e financeiras. Estava pagando ao seu pessoal em vales. E como eu estava casado e tinha uma filha com três meses de idade, a Marianne Brito que é repórter também. Eu não podia viver de vales, recebendo atrasado. E fui procurar emprego. A primeira porta onde eu bati foi a da Abaeté Propaganda, que hoje é Ampla, de Severino Cavalcanti Queiroz. E esse foi um outro pai que eu tive. Ele me contratou para a área de criatividade da agência e de atendimento. Cheguei a atender os principais clientes da agência à época, que eram Pitu, Fiat Lux e Banorte - este quando estava no auge do sistema financeiro.
Fiquei mais de três anos na Abaeté Propaganda. E de tanto atender ao Banorte, fui contratado para ser gerente de marketing. Fiz os cursos de especialização em marketing, já bancados pelo Banorte. Eu não tinha mais vínculo empregatício com a agência, mas trabalhava interligado com ela. Eu procurava dirigir todas as campanhas publicitárias usando sempre o trabalho da agencia e mantendo aquele vínculo com o Severino Cavalcanti Queiroz. Fiquei mais três anos como gerente de marketing do Banorte. Foi quando surgiu o convite da TV Globo, sem eu nunca ter trabalhado em televisão, sem nunca ter feito rádio.
Enfrentei a câmera pela primeira vez no dia em que cheguei aqui para saber quanto eu ia ganhar e aceitar o convite. Foi quando começou o Globo Esporte aqui em Recife. Chegou o carro de externa, para iniciar as transmissões esportivas e, consequentemente, o primeiro Globo Esporte daqui. Fui o primeiro apresentador do Globo Esporte em Pernambuco. Foi difícil deixar o Banorte, porque a Globo ia me pagar a metade do salário que eu ganhava no banco. Mas, decidi investir na minha profissão. Era a chance de voltar a ser jornalista. E nunca me arrependi da decisão que tomei.
Eu era Presidente da Associação Pernambucana de Cronistas Esportivos, a ACDP, durante quatro anos. Isso me levou a concorrer para a eleição da Associação Brasileira de Cronistas Esportivos, a ABRACE. Ganhei duas eleições concorridíssimas e fui quatro anos presidente da ABRACE, cargo que já exercia quando entrei na Globo, em janeiro de 1976.
Mantive o meu vínculo com o esporte durtante muito tempo. Fui a quatro Mundiais pelo Globo e mais duas olimpíadas. Eu cobri pela Globo a Copa de 1978 na Argentina, a de 1982 na Espanha, a de 1986 no México e a de 1994, nos países adversários do Brasil. Fui às olimpíadas de Seul e de Los Angeles. E depois a Globo começou a evoluir com o esporte, com as grandes coberturas a grandes eventos, e foi mantendo cada vez mais especializada a sua equipe. Ao mesmo tempo, eu fui saindo do esporte para reportagem geral. E aí tive a oportunidade de cobrir os seqüestros dos embaixadores pelos guerrilheiros do M-19 em Bogotá, na Colômbia, que foi a minha primeira cobertura fora. E a partir daí eu viajei o mundo inteiro. Fui aos dois Pólos, aos cinco continentes, já fiz reportagens de mergulhos nos setes mares, e tenho mais de setenta participações no Globo Repórter. Sou o repórter com mais tempo no Globo Repórter, que é onde eu me identifico mais, pois são reportagens longas.
Eu passei a me dedicar mais quando saí do esporte com o tempo mais a reportagens ligadas ao meio ambiente. E isso me abriu as portas para ir à Barreira de Corais da Austrália, ao Mar Vermelho, ao Caribe, ao Pacífico, Mar de Cortez, Micronésia, Indonésia, Galápagos e a lugares paradisíacos, maravilhosos. E ao mesmo tempo você trabalha e aproveita esses lugares.
Quando eu comecei a fazer reportagens fora do esporte, coincidiu que a primeira reportagem que entrou no Jornal Nacional foi uma de um incêndio. Nós estamos gravando essa entrevista no Morro do Peludo, onde fica a sede da Globo. Daqui da janela você vê o Recife inteiro. Você está olhando lá pra baixo e está vendo o Recife. Então nós saímos daqui no carro da reportagem para fazer um treino no Náutico nos Aflitos. Na hora que estávamos nos equipando vimos a fumaça lá no centro do Recife. E ao invés de fazer o treino fomos cobrir o incêndio. Era um posto de gasolina que havia ali no Corredor do Bispo e ele pegou fogo com um carro-tanque dentro e queimou vários carros. Nós chegamos antes dos Bombeiros.
E isso nos permitiu fazer uma reportagem muito autêntica. O tempo todo eu falando de improviso e narrando o que estava acontecendo, inclusive a explosão do carro-tanque. E essa matéria o Jornal Nacional não pôde me tirar, porque eles sempre tiravam os repórteres que não estavam entre os oito que entravam no JN. Hoje todas as praças têm repórteres autorizados, que são os chamados repórteres de rede, que podem entrar no Jornal Nacional. Na época só oito da Globo podiam entrar, mas nenhum do Norte e Nordeste, nem do Sul. Estavam centralizados no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Brasília. Fora isso, nenhum era autorizado a entrar.
Os editores viram a reportagem e resolveram manter minha imagem, mesmo estando fora dos padrões. Usando camisa quadriculada, cabelo grande e andando com o microfone. Alice Maria, que era diretora de Jornalismo, mandou que eu fosse, onde ganhei roupas mais adequadas p-ara o vídeo, cortei o cabelo e passei a ter aulas com a fonoaudióloga Glorinha Boutmuller, uma sumidade. Ela era a famosa fonoaudióloga da Globo, porque também cuidava do elenco, dos atores e apresentadores da Globo. Durante muito tempo ela até tentou mudar a minha maneira de falar, com exercícios: “diga Olinda”. Mas nós falamos com o “o” aberto “Ólinda” e não “Ôlinda”. Ela dizia “Ôlinda” e eu repetia “Ólinda”. Ela viu que não podia mudar.
Foi aí que eu conquistei a independência do meu sotaque, porque o próprio Armando Nogueira reconheceu que ele não podia ter um Jornal Nacional com todos os repórteres falando da mesma maneira. Ou seja, um repórter nordestino falando “Ôlinda” assim, pois seria estranho para as pessoas daqui que diriam o seguinte: “Pô, esse cara nem mora no Rio e está falando como carioca”. E ele entendeu isso, e também foi liberado para Geraldo Canalli, de Porto Alegre, entrar com o sotaque gaúcho.
A Copa de 1978 na Argtentina, foi a minha primeira grande cobertura internacional pela Globo. Eu trabalhava muito no sertão nordestino. Fiz dezenas de matérias sobre a seca, pois entre 1978 e 1982, nós tivemos períodos muito longo de estiagem. E nessa época morriam centenas de pessoas de fome e de sede. E isso nós mostramos em várias reportagens, apesar de ter sido no período da ditadura, aonde a palavra fome era proibida na televisão brasileira pelos censores. Mas eu mostrava sem usar a palavra fome, que aquelas pessoas estavam morrendo de fome.
Essas imagens chocaram muito o país, até que um dia o diretor presidente da Globo, Roberto Marinho, mandou que tomassem providências. Foi criado um grupo de estudos onde foram contratados os principais professores das universidades nordestinas. Eles fizeram uma campanha: “Nordestinos: O Brasil em busca de soluções”. E o carro-chefe eram essas reportagens mostrando o drama dos flagelados. E depois esse estudo foi levado para a Presidência da República. Foi muito divulgado pela TV Globo que a solução seria ter poços artesianos, abrir cisternas, dar educação, construir barragens nos rios, entregar a semente no período certo da chuva. Uma série de medidas foram tomadas nos anos seguintes amenizaram a situação do sertanejo. Hoje existe a seca mas não há a gravidade do aspecto social como havia antigamente. Não só pela campanha que iniciou a tomada de providências, mas por medidas tomadas pelo próprio Governo Federal, pelos governos estaduais, no sentido de minimizar a situação do sertanejo que vive na área de seca.
Acho que não só eu, mas os repórteres nordestinos, como Beatriz Castro, Mônica Silveira, Fernando Rego Barros, José Raimundo - que já trabalhou aqui e hoje está na Bahia - e tantos outros, mostram a grandeza do Nordeste. A imprensa de um modo geral mostrou muito o Nordeste. E tirou a imagem de que era só seca. Por isso nós temos tantos turistas hoje. Eu fiz centenas de reportagens em Fernando de Noronha, sobre o espetáculo da paixão de Cristo em Nova Jerusalém. O São João era uma semana inteira de noticiário nacional. O carnaval nem se fala, porque eu tenho até remorso. Quando eu comecei a fazer o carnaval há 33 anos, o carnaval era belíssimo. Eu mostrava a cada dia uma agremiação de Olinda desfilando pelas ruas. Saía o Elefante, bonito, com as orquestras puxando os blocos e as ruas decoradas. Hoje já não tem mais espaço para passar uma agremiação, porque nós divulgamos tanto o carnaval, que era uma coisa muito bonita, que impressionou o Brasil. Na Bahia naquela época não tinha repórteres de rede. Isso diminuía muito o espaço da Bahia, que saía com um locutor e com pequenas reportagens. Aqui normalmente eu tinha um bloco inteiro para cobrir o carnaval no Jornal Nacional. E entrava em todos os intervalos dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro. Entre uma escola e outra chamavam Recife. Então foi muito espaço que a televisão teve para cobrir o carnaval de Recife e Olinda.
Faço o Galo da Madrugada desde o primeiro desfile, que ainda foi com imagens em preto e branco. Os integrantes do bloco cabiam ali no início da Rua Padre Floriano. Era um bloco pequeno. Hoje, segundo o Livro dos Recordes (Guines book), é o maior bloco de carnaval do Planeta com mais de um milhão de pessoas.
[Em relação ao meu trabalho ser visto ou analisado pelas gerações futuras], uma coisa a gente sente hoje. As pessoas podem ir para os lugares que eu já fui e fazer reportagens muito melhores das que eu já fiz. Mas é muito difícil você ir ao Nordeste fazer uma reportagem em um lugar que eu ainda não fui, porque as vezes eu até me repito. Eu fui levado num Globo Repórter pelo pessoal do Ibama a fazer uma caverna onde passava o rio Uruçui-Una, que era um lugar onde nunca ninguém tinha ido lá. Era fantástico por que teria de ir de helicóptero. E quando desceu, eu olhei para um lado e olhei para o outro e reconheci. Aí o cinegrafista que estava comigo disse: “Logo aí na frente tem uma cachoeira, não é?”. Eu confirmei ressaltando: “E tem uma árvore grande que você tem que passar por ela”. Até dentro das serras nós já havíamos feito reportagem ali.
Cobri tantos outros fatos que tinham grande repercussão nacionaa, como foi o caso do Bateau Mouche, que afundo na Baía de Guanabara à noite. No outro dia, mergulhei e mostrei o Bateau Mouche afundado. Houve aí um diferencial de toda a cobertura. Eu também participei da cobertura da Guerra das Malvinas.
O jornalismo vai se renovando, a televisão vai se modernizando. Nós estamos na fase hoje de mudar as emissoras do Nordeste para digital. E estamos tendo hoje o primeiro contato para mudar aqui e entrar na era digital. E venho da época de película em preto e branco, que era uma coisa absurda, porque você não podia fazer longas reportagens. A cota de filme era pequena. Eu saia com uma lata de filmes para fazer duas ou três reportagens. Deixei de fazer grandes entrevistas com Gilberto Freyre que eu entrevistei várias vezes, com o Luiz Gonzaga, porque nós não tínhamos condições de gravar, pois não passava de uma hora de gravação. Hoje eu posso fazer isso com Dominguinhos e outras celebridades da nossa terra. Eu quero que amanhã os repórteres que vão nos suceder encontrem aqui no arquivo um trabalho do qual eles possam se guiar para falar dos grandes vultos e dos grandes acontecimentos da nossa época.
Havia duas câmeras. Uma que era só imagem e depois tinha que colocar o som e era preto e branco. Era uma câmara pequena. E a outra era um AURICON, que era uma câmera grande. O cinegrafista tinha que usar uma peça de metal no corpo, como se fosse uma cangalha para segurar a câmera, que era pesada e tinha áudio. Nós não tínhamos microfones sem fio, o estúdio não tinha teleprompt, a iluminação era feita por refletores muitos fortes, que deixavam o apresentador completamente suado. E em cada intervalo tinha que enxugar o rosto, passar pó para não brilhar e era muito difícil. O meu início na televisão, comparando com a fase atual da era digital, é como o início na idade da pedra da televisão.
O jornalista que não é fiel aos fatos, à verdade e ao que está acontecendo tem pouco tempo de existência. Mesmo porque a televisão, a imagem e o som não permitem hoje armações e invenções. Ou você fala e mostra a verdade ou você no dia seguinte é desmascarado, ou por outras emissoras televisão, ou pelos jornais. “O que aquele repórter falou não era nada daquilo. “Aquilo foi uma invenção. Ou aquilo foi uma entrevista forjada”, como nós vimos acontecer há pouco tempo na televisão brasileira. Então não há como você fugir da verdade. Outra coisa. O repórter precisa ter personalidade. Ele não tem que falar o que os outros falam, não tem que receber ordens para mentir. Eu graças a Deus nunca recebi. E se recebesse não mudaria minha opinião. Deixaria de fazer e poderia ser demitido. Mas mentir e faltar com a verdade e mudar a minha personalidade profissional eu jamais faria isso.
Outra coisa: você trabalha em equipe. Você trabalha com cinegrafistas, com o técnico que viaja sempre com você, com o produtor que marca as entrevistas, vai passar pela mão de um editor de imagens todo o texto. E você se desmoraliza se não é fiel ao seu trabalho. Então eu aprendi a trabalhar com naturalidade, gravo o que está acontecendo e mostro a realidade, porque é isso que o telespectador quer saber. A televisão não precisa de maquiagem, não precisa forjar ou inventar, porque a imagem diz tudo. Se você tem uma boa imagem é só descrever e narrar o que está acontecendo.
O jornalista que se preza e quer ser preservado para ter uma imagem interna e externa, tem que pensar na sua imagem primeiro junto à sua equipe. Precisa ter liderança junto a eles para que te respeitem e até se orgulhem de trabalhar com você. E externamente, o telespectador. Depois de mais de duas mil reportagens, mantendo credibilidade. Trabalhando com seriedade.
Merecendo o respeito do telespectador e dos seus companheiros de equipe. Isso é o melhor cartão de visitas e a melhor apresentação que um profissional de televisão pode ter: é chegar aos trinta e três anos de vídeo sem ter restrições.
A maioria das reportagens que faço são sugeridas por mim. Recebo também sugestões dos telespectadores, dos técnicos. Quando é trabalho de meio-ambiente, os biólogos, os veterinários ou oceanógrafos dizem: “Está acontecendo isso em tal lugar e a Globo precisa denunciar”. Ou, “nós estamos com esse projeto e descobrimos uma nova espécie”. São informações que chegam pra gente da mesma maneira que acontece nas reportagens investigativas. Até um telefonema anônimo precisa ser apurado, para ver se é verdade. E de um telefonema anônimo você pode tirar uma grande reportagem. Aconteceu isso comigo dezenas de vezes. O jornalista precisa estar bem informado. Muitas vezes você já sabe daquele assunto e está recebendo a denúncia e não é nada daquilo que a pessoa está dizendo. Ele ouviu o galo cantar mas não sabe aonde.
Quando me pedem para falar para estudantes de Jornalismo sobre a profissão, eu mostro a dificuldade de mercado. Destaco que eles precisarão de talento, vocação para a profissão e muita garra para aprender, se atualizar e lutar pelo espaço no mercado, que hoje é muito restrito, pela quantidade de profissionais que são formados todos os anos. A minha primeira mensagem é essa: lutar muito, ter garra e se preparar para ser um bom profissional e vencer todas as barreiras.
E em relação às reportagens não tem mistério. Você tem que sempre procurar bons assuntos, partir para o campo, dar o máximo de si, o que nem sempre é fácil. As reportagens mais difíceis para mim são as melhores. Eu sempre procuro as mais difíceis. Por exemplo, chegar aos gorilas na África. Ou tem que subir uma serra ou passar numa favela onde tem tiroteio. Você tem que medir os seus limites para não morrer antes do tempo, mas lutar sempre para conseguir fazer as reportagens mais difíceis, porque as fáceis todo mundo faz. Um festival de matéria comum que a gente vê. As mais difíceis e com um tema inusitado são as que repercutem mais.
Eu já ganhei prêmios sobre a Mata Atlântica, a Beatriz já ganhou. Temos alguns prêmios, mas eu nunca concorri. Eu fui homenageado no prêmio Embratel, que é um dos principais, mas por decisão da comissão julgadora. Eu não pego uma reportagem e coloco para concorrer. Nunca fiz isso. A emissora, o produtor, o editor e cinegrafista, que as vezes decidem concorrer.
A juventude hoje é muito diferente daquela que eu vivi. Eu tenho uma filha de quinze anos. Eu não quero para a minha filha as dificuldades que eu passei. Ela tem as mordomias dela, e eu tive as minhas dificuldades. Eu vejo por ela o que é a juventude moderna, a juventude atual. Ela está mais ligada em música, nas bandas, em ter um ipode, estar o tempo todo na internet, viajando. Quando se faz uma comparação de uma época para outra, o que se percebe é que na minha época não havia nada disso. Nos dedicávamos mais à escola. Hoje, há, pressão para passar no vestibular.Tem que estudar, mas a garotada está voando, está no espaço. Se você pegar um garoto para falar de temais atuais, numa sala de quarenta você encontra cinco que estão mais atualizados com a vida. Os outros ainda estão voando delirando.
Quando entra a fase do vestibular e da universidade eles caem na real, porque aí já sentem que têm de andar com os próprios pés, que já está na idade de ter o seu carro, de decidir a sua vida, de saber o que vai fazer. E quando decidem fazer Jornalismo, muitos imaginam: “Eu vou ser como aquele repórter que viaja muito e vai para todo lugar do planeta”. Ou “eu vou ser como aquela repórter que entra toda bonita na televisão, que fala bonito e tem uma voz bonita”. Mas não é bem por aí, porque ele vai ter de batalhar muito para conseguir o espaço dele, chegar a uma emissora de televisão e ter a chance de viajar e fazer grandes matérias. Se for mulher, de aparecer bonita na televisão, que é o que elas mais admiram.
Eu converso muito com Beatriz sobre isso: “Gosto muito de suas matérias. Eu acho você bonita. Esses dias você estava com um brinco... ”. Ou a “Fátima Bernardes com aquele relógio grande...”. Os jovens observam mais o superficial. Se você entrar numa sala de aula e for até aos garotos que vão para o vestibular e fizer dez perguntas, certamente eles vão responder duas ou três.
Eu acho que a televisão contribui muito para mostrar a violência. Então, mostrando a violência que é uma coisa danosa, pois você liga a televisão é só violência, mas é a realidade da vida. Talvez é quase uma cobrança diária para que se combata aquilo. A televisão é muito mais útil como entretenimento mostrando filmes e novelas para as pessoas que querem acompanhar, do que útil para orientar um jovem sobre o que ele pode ser na vida e dar um apoio social para quem precisa de apoio.
Aquela brincadeira que o bloco Quinta Ladeira fez comigo eu morri de rir: “Chico José, fumando maconha, entrevistando os golfinhos em Fernando de Noronha”. Eu sou amigo de Lenine. E depois que ele inventou isso, no dia seguinte, ele chegou no camarote da Globo onde eu estava e cantou no meu ouvido, gritando. Eu quase fiquei mouco. Eu morri de rir, porque eles são muito criativos. O Lula Queiroga e o Lenine são gênios. E eu nunca fumei nem cigarro normal, imagina fumar maconha. E não sou contra quem fuma, porque é um direito de cada um ser como acha que deve ser. Mais que foi divertido aquilo, foi.
Eu diria primeiro para os jovens que eles representam uma esperança para o Brasil e para o planeta. Em relação ao meio ambiente eles precisam continuar participando, e mostrando o que não se deve fazer em termos de destruição da natureza, porque senão aí nós estaremos contribuindo para que o planeta se torne cada vez mais degradado. Em relação à violência, cabe aos jovens, também, seguir o bom caminho. E conversarem com as pessoas que não seguem as linhas de uma vida suadável, tentando convencê-las a viver bem sem violência e, principalmente, sem vícios. Eu falei agora que não sou contra quem fuma maconha, mas eu acho muito triste um jovem dependente de crack, dependente de cocaína, dependente dos vícios. Não respeitando os pais. E isso é uma coisa fundamental. Muitas vezes os pais não fazem por onde se respeitar. Nós dependemos muito dessa geração, pois é ela que irá formar as próximas gerações. São os filhos e netos deles que vão sofrer as maiores conseqüências.
Outro dia nós descemos o Rio Capibaribe, para voltarmos ao aspecto do meio ambiente. Fomos de helicóptero e quando chegamos à altura de Santa Cruz do Capibaribe, a sujeira era tanta dentro do rio, que não podíamos acreditar em tanto descaso com a natureza. As pessoas jogam o lixo dentro do rio, os esgotos, a indústria que desenvolveu o jeans em Santa Cruz do Capibaribe joga os dejetos e a água suja no rio. A prefeitura destruiu uma praça e uma quadra de esportes, e jogou todo a parte de concreto e de ferro para dentro do rio. Animais mortos são jogados no rio. Lá embaixo a água é represada e volta para eles beberem. Isso mesmo: a população bebe a mesma água que polui, depois de passar por uma estação de tratamento. Bebem aquela água que eles sujam. No futuro se os jovens de hoje não se conscientizarem da importância de preservar o planeta, eles vão sofrer as conseqüências com a degradação. Eles vão beber da água cada vez mais poluída.
Eu sou favorável à reciclagem, mas isso aí é uma pequena etapa que teremos de fazer para que não tenhamos no futuro um planeta destruído coberto de plástico e de dejetos que são jogados e que são produzidos e industrializados pelo homem.
Eu sou uma pessoa totalmente realizada. E acho que atingi o auge do que eu esperava na minha profissão. A Globo sempre foi muito fiel comigo e eu também sempre fui muito fiel com a Globo. Eu tenho a atenção e o respeito dos meus diretores, não só os daqui de Recife, mas da cúpula do jornalismo da Globo. Chegar a trinta e três anos nessa empresa, fazendo reportagens, sem desgastes e ainda no auge, são alguns dos motivos da minha realização profissional. Eu acho que hoje faço reportagens melhores do que eu fazia antes. Eu até brinquei com o cinegrafista que estava subindo as montanhas dos gorilas comigo, porque ele é jovem, forte e atleta, e nós estávamos numa faixa de três mil e setecentos metros de altitude. E naquele dia isolado de tudo, com os gorilas, o cinegrafista e mais aqueles doze africanos da nossa expedição, eu estava completando sessenta e quatro anos de idade. Um aniversário na selva africana, longe da família, mas feliz, com a convicção de estar fazendo mais uma grande matéria.
Nesse dia, pelo gps do guia, andamos dezesseis quilômetros, subindo e descendo as montanhas de Uganda. E quando sentimos os sintomas da altitude, que o jovem cinegrafista parava sem conseguir respirar, eu estimulava: “Vamos embora, Henrique! O velho aqui sou eu. Os gorilas nos esperam do outro lado da montanha.” E seguíamos em frente.
Hoje, quando mergulho a profundidades maiores do que quando tinha trinta anos de idade. Então eu me considero mais realizado pelo fato de ter chegado a essa idade fazendo o trabalho que eu faço. Para manter a minha condição física não faço nada demais. Sou nordestino do interior e sertanejo com muito orgulho. E quando a gente nasce no sertão já aprende a viver com dificuldades. O que para muita gente é difícil, para mim é normal. Por exemplo, mergulhar no meio de um cardume de tubarões, as pessoas perguntam: “Mas você não tem medo, não?”. Ou: “Chegar perto de um gorila não te dá medo?”. A resposta é simples: a gente, no Nordeste não tem tempo para ter medo. Pergunta ao sertanejo se ele está com medo de viver ali, porque a dificuldade é tão grande, que o medo é secundário. Os riscos avaliados e enfrentados.. Há os limites que nós precisamos obedecer. Mas o ideal é você alcançar o objetivo passando por todos os obstáculos. Enquanto eu puder fazer isso eu vou continuar fazendo. O meu objetivo é renovar o contrato com a Globo por mais cinco anos. E no final desses cinco anos eu vou ver se ainda estou em condições de subir ladeira, de subir serra, de mergulhar. Se tiver e a Globo achar que devo continuar, eu continuo. Se não, eu vou parar. Mas, realizado. Eu não me considero exemplo, mas o trabalho que nós estamos deixando, se procurarem o CEDOC (nosso arquivo), vão ter muita coisa no que se espelhar com o que temos gravado ao longo desses trinta e três anos.
Eu faço questão de dizer que sou um profissional realizado e sou feliz na vida pessoal e na minha profissão. Se tivesse que começar de novo, eu faria o mesmo que fiz até hoje. Eu sou um jornalista realizado.
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