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terça-feira, 1 de novembro de 2011

ENTREVISTA: Mirian Goldenberg (Revista Crescer)


 Divulgação

“Em outras culturas, ser mãe é apenas um dos papéis femininos. Não é o único e nem o mais importante, tanto que, em outros países, há mulheres que não querem filhos ou família, e isso é legítimo. Aqui no Brasil não é legítimo. Você pode ser a pessoa mais bem-sucedida, mas sem filhos olham estranho para você. Acho que entendendo isso, você entende porque as mulheres, e as mães, sofrem tanto em não atender às demandas.” 

É assim que a antropóloga Mirian Goldenberg enxerga o dilema feminino. Confira a entrevista que ela deu à CRESCER para o especial Eu, Meus Filhos e Meu Trabalho.

CRESCER - Qual a sua visão sobre a situação da mulher que é mãe e trabalha fora no Brasil? 

Mirian Goldenberg
- Aqui se tem apoios que não existem em outra culturas, como a empregada doméstica, a babá, a creche, a própria família, as avós, que apoiam muito e você está começando a ter agora uma participação maior dos homens. Então, eu acho que a situação da mulher brasileira não é das piores se você comparar com outras culturas mais individualistas. É óbvio que tem a questão da necessidade e do desejo de fazer tudo da melhor forma possível, e a mulher brasileira sofre muito com isso, mas existe um apoio familiar e profissional que ajuda muito.

C. - Você falou que os homens participam mais. A participação deles já é boa o suficiente? 

M.G.
- Os homens brasileiros não participam muito ainda, mas não é só culpa deles. É óbvio que têm aqueles que não querem participar, assumir, ou aqueles que não se sentem suficientemente preparados para essas situações, pois não são socializados para elas, não aprenderam. Mas têm muitos que querem participar e, antes de conseguirem, têm que vencer vários obstáculos. Não só a mãe (mulher), que acha que eles são incompetentes, a babá, a empregada doméstica, a avó materna, a paterna... É como se a função de criar os filhos fosse exclusivamente feminina, ou só elas tivessem capacidade e competência para criar as crianças, principalmente quando são pequenas. E os homens se sentem excluídos dessa possibilidade.

C. - E por que isso ocorre aqui no Brasil? 

M.G.
- Porque nós não temos uma relação igualitária, e o espaço doméstico sempre foi dominado pelas mulheres. Elas não podiam entrar no espaço público até muito recentemente. Então, aquele era o espaço delas. Elas têm dificuldade de reformular
esse domínio doméstico e deixar os homens fazerem mais coisas e do jeito deles. Eu vejo as mulheres reclamando que os homens não ajudam. Ajudar significa fazer exatamente o que elas querem que eles façam e do jeito delas, e isso eles realmente resistem. Os homens precisam participar do jeito deles e não só como ajudantes das mulheres, elas dando ordens e eles obedecendo.

C. - As mulheres parariam de trabalhar se pudessem abrir mão do dinheiro. Mas dizem que planejaram a gravidez em função do trabalho e quem tem filha mulher a vê trabalhando no futuro. Não é um pouco contraditório? 

M.G.
- Não acho. O que se exige aqui da mulher é mais, que ela some. Isso é complicado. Antes, se ela tivesse família, estava ótimo. Agora, ela tem de estudar, trabalhar, mas não em qualquer coisa, em algo que a realize. Aqui no Brasil, ter um filho é a grande realização feminina, e quando você não está tão satisfeita, não é reconhecida no trabalho, é normal acontecer um conflito, já que o filho dá muita alegria. Há culturas em que você pode ser feliz tendo ou isso ou aquilo, mas aqui no Brasil é uma cultura de soma mesmo. Você tem de trabalhar e ser mãe e ter um casamento legal e ser bonita. Por isso, as brasileiras são tão insatisfeitas, já que um desses “E” não vai funcionar.

C. - Você observa que as mulheres têm algum anseio de mudanças relacionadas ao governo, à legislação ou à sociedade?
M.G.
- Eu acho que a sociedade tem um lado visível, das leis, das obrigações, das proteções, e tem um outro lado invisível, que cobra uma certa posição da mulher brasileira hoje. Tem a ver com constituir família, filhos, marido, um trabalho, dinheiro,
um determinado corpo, se cuidar. Isso, que não é visto como social, é o grande problema para as mulheres. Elas acham que isso é individual, é pessoal. É um problema delas, é um fracasso delas. Essa mão invisível da sociedade – todo mundo fala da mão invisível do mercado, quando fala do capitalismo – mantém presa a mulher brasileira, causando o sofrimento. Libertar-se disso não depende muito nem de leis nem de decretos. Depende de você ter consciência do que a cultura obriga você e administrar da melhor forma. Não sei se é baixando as expectativas, mas é sabendo que há limites e há escolhas e que você vai acabar tendo de priorizar algumas dessas escolhas. Não vai dar para ter tudo. Nisso a antropologia pode ajudar, mostrar como a cultura obriga e aprisiona a mulher brasileira em uma série de papéis que não serão cumpridos de forma plena. Se é o trabalho e a independência econômica, decida as outras coisas em função disso. Se é o filho, divida em função disso. Divida mais com o marido, deixe ele assumir do jeito dele também.

C. - Tem alguma outra coisa que você observou que seja bacana colocar?

M.G.
- Pensar como esse papel foi sendo construído aqui na nossa cultura. Em outras, ser mãe é apenas um dos papéis. Não é o único e nem o mais importante, tanto que, em outros países, há mulheres que não querem filhos, família, e isso é legítimo. Por que isso aqui no Brasil não é legítimo? Você pode ser a pessoa mais bem-sucedida, mas sem filhos olham estranho para você. As mulheres sofrem tanto em não atender às demandas – mãe,
mulher, amante, profissional, amiga – e tira a possibilidade de fazer outras escolhas. Explica muito, pois você tem menos escolhas legitimadas.
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