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domingo, 24 de abril de 2011

DEPOIMENTO DE CRISTOVAM BUARQUE (EX-ALUNO DA UFPE)

FONTE: Depoimento feito por Otávio Luiz Machado (UFPE)














A JUVENTUDE DO SOCIAL: A ESCOLA COMO AMBIÇÃO DE CONSTRUCAO DE UM PAÍS
Cristovam Buarque

Meu nome completo é Cristovam  Buarque. Nasci em 20/02/1944, em Recife, Pernambuco. Minha origem familiar está ligada às camadas populares. Meu pai foi vendedor comercial, enquanto minha foi tecelã. Mas mesmo assim foram criadas as condições para me tornar engenheiro mecânico pela Escola de Engenharia da UFPE, em 1966. Tudo começou bem porque fiquei em terceiro lugar no vestibular. Além disso, sempre fui bom em Matemática e Física. E financiei toda a minha vida escolar como professor particular nessas duas matérias.
         Eu fui da última turma na Rua do Hospício, pois depois houve a transferência da Escola para a cidade universitária, no bairro do Engenho do Meio. E no meu tempo de estudante, que foi de 1962 a 1966, a Escola de Engenharia era um mito para a juventude pernambucana e para todos nós. Isso por ser uma escola de ótima formação técnica, cidadania e de intelectualidade. Havia uma classe média presente ali, que também buscava o lado de segurança profissional que a Engenharia e outras profissões asseguravam naquele momento, onde a questão do desenvolvimento e do progresso estava em alta. O que permitia à Engenharia Mecânica ser bastante valorizada que a Civil, que a SUDENE tinha um grande destaque no período, assim como  a industrialização, que a gente acreditava ser o meio de  fazer o Brasil rico.
         Quando vivíamos intensamente aquele momento do Brasil, penso que não se podia imaginar só na Escola, mas do momento de ebulição através da esquerda. Havia o governador Miguel Arraes no Governo do Estado. E as ligas camponesas estavam nas ruas aqui em Recife.
         E dentro disso aí estava a Escola de Engenharia – que merecia o nome de Escola –, porque ali não se ensinava apenas Engenharia, mas tinhamos, como no meu caso, incentivo para ler mesmo pra valer literatura, ter  contato com a arte e a História e, por meio de um debate permanente de personalidades do mundo todo, termos acesso a outros assuntos importantes para a nossa formação.
Aprendíamos com pessoas que davam aulas sob a perspectiva da esquerda; aprendia-se fora da sala de aula, como nos corredores da Escola de Engenharia, no Restaurante universitário e em outros locais, considerando, também, que a Rua do Hospício era uma espécie de campus universitário onde conviviam quatro escolas isoladas próximas umas das outras: Geologia na esquina, Engenharia e Economia mais adiante e Direito. O movimento estudantil estava na Escola de Engenharia e se espalhava por toda aquela área do centro de Recife.
          E Recife era um lugar especial, sem dúvida, pois pude constatar – quando comecei a colecionar dados querendo escrever sobre Recife nos anos 1950 – a cidade como um local de grande evolução. Pude listar uma vez quase duzentos nomes de personalidades marcantes na Biologia, no Direito, na Sociologia, na História, na Matemática etc. Eu não diria que tudo era muito bom, mas era muito igual ao que havia de bom nos centros do Rio de Janeiro e São Paulo. Só apartir dos anos 70  estes centros se desenvolveram muito e se distanciaram de Pernambuco.
         Assim que entrei na Escola, em 1962, logo comecei a militar no movimento estudantil, sob a influência principal do grupo que passei a fazer parte: Cláudio Dubeux, José Carlos Melo, Rui Frazão, Aécio Matos, Drummond Xavier e outros nomes. Drummond foi muito importante,  pois tinha  uma grande liderança pra mim naquela época. Esses nomes e tantos outros foram os que, me ajudaram a pensar.
         No ano seguinte, quando fui Secretário do Diretório Acadêmico na administração de Drummond Xavier, fomos interrompidos, pois logo depois  veio o golpe de primeiro de abril e houve a prisão de Drummond e outros. Outros fugiram e nós ficamos ali. Houve uma intervenção pelo governo.
         É preciso considerar o movimento estudantil em dois momentos: antes ou depois  do primeiro de abril de 1964. Antes do primeiro de abril  o grande desafio era sermos partes de um processo global e não só estudantil, como nas ligas camponesas, nos partidos progressistas legais, nos partidos progressistas que não estavam na legalidade (como o Partido Comunista Brasileiro) e a Ação Popular (AP), que também não era um partido organizado legalmente. Esta inserção era o nosso grande desafio.
         Já em outubro de 1964, fizemos uma eleição para o Diretório Acadêmico, na marra, apesar de toda pressão, e fui eleito presidente.Não demorou. Em outubro houve uma intervenção, fui destruído, tive de ficar uns dias escondido no Seminário Menor, rua Várzea.
         Na verdade é que, quando se compara o que vem depois, o nosso tempo foi moleza. Brabeza mesmo foi a partir de 1969.      Era muito conflitante antes do primeiro de abril, mas havia um diálogo. Depois daí parou o diálogo, porque passamos a ver quem era de “direita” como dedo-duro. Mas antes tínhamos amizades com a direita, salvo um ou outro.
        Houve muitos presos, como o Aécio (Gomes de Mattos), o Drummond (Xavier), o José Carlos (Mello), o Rui Frazão(depois assassinado no Maranhão, até hoje a família não localizou o corpo), Aécio, o Airton, o Alexandre, o Albérico. Depois mais para a frente houve tiros como no caso do Cândido Pinto, que ficou paralítico. E mataram dois estudantes que não eram da Escola de Engenharia. E também mataram o padre Antônio Henrique.
         E nesta eleição eu fui escolhido pelas forças existentes, que era basicamente PCB e AP.
         Não houve outro candidato. Fui sozinho e me elegi. A direita não lançou candidato. A direita não tinha espaço na Escola de Engenharia. Só com intervenção. Quando foi em abril eu fui cassado, e houve uma intervenção no Diretório Acadêmico. Não lembro quem é que ficou no lugar.
Fui militante da AP, Ação Popular. Entrei na AP no dia 01 de abril (de 1964). Antes disto eu era o que se chamava independente. Eu cuidava muito disso. Mas depois do 1o de abril eu vi que não tinha como ser independente. Eu me afastei sem nunca sair até o fim, quando eu fui embora do Brasil em outubro de 1970. Eu tinha contatos diretos, pois eu era avalista dos caras na clandestinidade. Fui fiador de aluguel em Nova Descoberta daquele pessoal. Mas deixei de estar lá dentro, eu acho que eles próprios preferiram, quando radicalizaram muito com a integração na produção,deixar tudo e ser operário ou camponês,  que eu fui contra.
         Fiz um documento crítico daquele processo em que eu dizia que era resquício do cristianismo querendo ganhar o céu e não fazer a revolução. E aquilo era uma espécie de martírio que eles queriam fazer. Acho que com isso me congelaram ali. Mas mantive a relação até o final.
         A partir de abril de 1965, quando tive que sair do Diretório, continuei estudando.A partir do 3o ano  comecei a relaxar totalmente. E comecei a estudar Economia, Filosofia.
        
         E chegou 1966, o ano em que me formei. Eu fui orador da turma quando aconteceu um fato inusitado. Naquela época para você se formar o secretário lia a ata da solenidade e dizendo “colaram grau os seguintes engenheirandos”. Aí pularam o meu nome, o nome de Ronaldo Dantas e o nome de Renato Ribeiro. Nós saímos de lá sem formatura e sem grau.  Duas razões para isto: o meu discurso, que obviamente foi um discurso duro; o segundo era porque nós três não aceitamos a apertar a mão do Diretor Ivan Loureiro.
         E dizia-se que a Universidade estaria se transformando num prostíbulo intelectual. Lembro até dizer que há uns seis ou sete anos atrás, no centenário da Escola de Engenharia, o Antônio Carlos (Maranhão Aguiar) era o Diretor e me chamou para ser o orador. E ele começou a ler um trecho que  achei que conhecia mas lembrava, era meu discurso de formatura que ele lia, 20 anos depois. E  na hora que eu falava, Não sei se era por falta de imaginação ou por excesso de coerência.
         Após a minha formatura, comecei a estudar Economia e virei economista, primeiro aqui na Universidade Federal de Pernambuco,fazendo mestrado, que não cheguei a fazer a tese, só fiz os créditos. E depois fui pra França onde fiz meu doutorado.
        Comecei a dar aulas na Universidade Católica de Pernambuco. Um dia cassaram três estudantes pelo Decreto-Lei 477. E no dia de dar aulas fiz uma preleção sobre o que era a Universidade, o papel da Universidade. E disse: “Neste quadro, perdi o gosto de dar aulas, porque os alunos foram presos. Mas antes de pedir demissão,quero a opinião de vocês”. Lembro que o Sérgio Guerra – que é Senador agora e era meu aluno – levantou e disse: “Se você sair vem outro pior. É melhor você ficar”. Eu falei: “Eu vou pensar”. Aí saí da sala. Quando saí veio um cara atrás de mim, que eu sabia que era major, parei para beber água no bebedouro do corredor. Ele parou atrás e disse: “quero falar com você”. Era um pouco mais velho do que eu, trinta e tantos anos, eu tinha vinte cinco. Levou-me para um banco e disse: “estou muito irritado”. Aí eu perguntei o pôrque. Ele:“porque não vou cumprir minha obrigação, porque você é amigo do meu cunhado”. Eu devia lhe levar preso, não vou levar pela amizade, mas na próxima vez levo”. A partir daí eu decidi sair do Brasil. Em outubro (de 1970) eu fui para França.
         Nenhum dos meus pais terminou a 4a série primária, mas todos liam, todos enchiam a casa de livros e obrigava a gente estudar. Minha mãe falava de tudo e dava opiniões em política. Acho que a origem familiar no meu caso já fazia buscar a Engenharia como uma coisa mais segura. Ser engenheiro era um pouco ser de esquerda, naquela época, sobretudo na área da indústria, da mecânica. E um pouco depois comecei a perceber que a Economia era mais. Hoje acho que  nem a Economia da resposta, o que eu venho trabalhando a mais de 30 anos. A Economia é a ciência que aumenta a riqueza, e não é a ciência que diminui a pobreza.
         Até os anos 1970 que, com o aumento da riqueza, diminuía-se a pobreza. Mas a riqueza não se distribui assim. O fim da pobreza vem de políticas sociais dirigidas diretamente para beneficiar os pobres. Daí essa coisa que eu formulei anos atrás, que é a bolsa-escola e a ênfase na educação: uma revolução pela e na educação. Pagar ao pobre para que produza o que ele precisa para sair da pobreza. O operário que fabricou esse lugar onde estamos não saiu da pobreza construindo isso aqui. Ele apenas ganhava um salário mínimo. E ninguém sai da pobreza ganhando um salário mínimo. Agora, se ele constrói uma escola e o filho dele estuda, o filho dele sai da pobreza. Se ele põe água e esgoto na casa dele, aquela água e esgoto o tiram da pobreza. É um vetor para sair da pobreza.
         É a isto que dedico minha luta de hoje, no mesmo espírito da velha Escola de Engenharia, onde aprendi inclusive a mudar o instrumento de luta sem mudar os compromissos com uma sociedade eficiente e justa.
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