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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

TEXTO PARA MAIS REFLEXÃO: UFPE sitiada!



Sexta-feira.  Durante aquela aula entediante chegava a informação de que o pico da noite seria em frente ao CAC. Os que largavam mais cedo já começavam as atividades. Outros nem precisavam largar. Por volta das sete da noite o movimento era claro, cada um garantia seu estado alterado de consciência como podia. O som era o mote, mas o que fazia a festa eram as pessoas.

Para alguns, isso remete às calouradas. Mas para xs que entraram nos últimos dois anos na UFPE, isso não significa nada.
A proibição das calouradas representou a perda do último espaço interno de sociabilidade estudantil. As festas, gratuitas, propiciavam aos estudantes um espaço de interação fora da sala de aula e sem distinção entre os diversos cursos. Os motivos para a proibição nunca foram satisfatoriamente esclarecidos: qual o grande perigo de pessoas se encontrando e se divertindo? O perigo nunca foi a depredação do patrimônio da UFPE, como alegado. O perigo é o prazer, o gozo, os amores, as conspirações, a congregação. E tudo isso só é perigoso na visão de uma Universidade altamente atrelada aos interesses do mercado.
Como se não bastasse, a repressão agiu também do lado de fora. Uma liminar e uma ação de força da polícia fecharam três bares muito importantes no entorno da Universidade. É uma grande perda não poder beber uma cerveja no Cavanhaque, Bigode ou Margarida. Os bares que tínhamos na UFPE não eram pecinhas de ouro, mas somos tão carentes de espaços de socialização que até gostávamos de frequentá-los de vez em quando. O que queríamos realmente era nos encontrar e ver uns aos outros fora da sala de aula, num ambiente longe do formalismo rígido dos muros da universidade.
Dois dos bares tiveram suas portas fechadas por uma ação que contou com mais de cem policiais. Dois argumentos risíveis pareciam justificar a ação. O primeiro, que nos pareceu realmente cômico, era que os bares caracterizavam um “uso indevido do espaço público” e o segundo era que eles estavam favorecendo o consumo e a venda de entorpecentes.
Vivemos numa cidade onde praticamente todo o espaço público foi (e está sendo) destruído para dar lugar a estradas e avenidas vazias, que é constantemente organizado para se circular e não para se viver. Diante desta aberração quem é a polícia pra dizer o que é ou não uso indevido do espaço?
Já os “entorpecentes” figuram agora como um dos principais campos de disputa social, onde a demanda pela liberação esbarra na intransigência desastrosa do proibicionismo, e uma ação da polícia nesse tom não é novidade pra ninguém. As semelhanças com o caso da USP demonstram que nenhum dos dois casos está isolado. Se realmente existiam irregularidades, estas não eram novas, o fato da operação ter sido realizada nesse momento e dessa forma comprovam um aumento da repressão sobre os espaços de sociabilidade estudantil.
Não apenas xs estudantes foram prejudicados com este aumento repressivo. A comunidade da Várzea e arredores também perdeu as calouradas, os bares e alguns o seu ponto comercial. Xs ambulantes que comercializam ao redor da UFPE também vem sendo atacadxs. Xs que ficavam em frente ao Hospital das Clínicas foram retirados a força pela Polícia Rodoviária Federal. Alguns comerciantes foram atingidos por balas de borracha e viram seu negócio ser destruído por tratores, xs outrxs, que continuam ao redor da Federal, estão ainda ameaçados de serem expulsos. Essa higienização urbana atende aos interesses monopolistas dos empresários do ramo alimentício. Beneficiam-se os atuais e futuros restaurantes da Várzea e, especialmente, a rede do Chefe Platão dentro da universidade, com franquias em vários centros e, dizem alguns, fornecendo para o próprio Restaurante Universitário. Essa nova configuração não elimina apenas os concorrentes, mas também uma forma de interação, aquela que busca a troca entre as pessoas.
Essas represálias não acontecem apenas do lado de fora. Dentro do campus, a TKS, empresa de segurança privada, atua com a mesma brutalidade. Andam armados, fazem rondas dentro dos centros, inclusive abrindo salas deliberadamente e ainda sentem-se no direito de dar baculejos pelo campus. O resultado não podia ser diferente: há alguns meses dois estudantes foram covardemente agredidos após discussão causada pela não permissão da entrada de um segurança armado no diretório acadêmico de ciências sociais. É um absurdo, mas foram contratados para isso.
Rondas, armas, repressão física, câmeras de vigilância, catracas de acesso, sistema biométrico, grades de segurança: não estamos falando de um presídio, isso tudo é apenas uma instituição de ensino superior. A repressão que um estudante enfrenta deixa claro que na universidade nada se cria e nada se vive; apenas se obedece. E a norma é estudar e produzir sem contestar os alicerces autoritários e controladores que organizam a vida acadêmica. Até porque – não sejamos ingênuos – somos no fundo peças de uma grande engrenagem cuja única finalidade é a acumulação capitalista, em outras palavras, nossa importância se dá em função de nossa mão-de-obra. Se essa é a verdade, então não é legítimo que as peças de produção tenham momentos lúdicos, de gozo despreocupado e não calculista e, além disso, espaços que lhe proporcionam esses momentos.
Esse quadro impõe uma situação cotidiana de tensão que nos leva a questionar se os casos de suicídio são realmente incompatíveis com este ambiente. O paradoxoassustador é que muitas pessoas pediram ainda mais controle como forma de conter os suicídios. Reivindicação atendida com presteza pela reitoria, como se isto já não fizesse parte do planejamento de gestão. Enquanto for essa a estrutura a reitoria nunca será a via de mudança da universidade, mas sim um instrumento de manutenção. A única mudança que a reitoria é capaz de fazer é um estatuto redigido por uma “comissão de notáveis”, excluindo a participação da comunidade acadêmica. Esse novo estatuto, com aprovação prevista para o início de 2012, representa uma intensificação da interdependência entre o mercado e a universidade.
Frente a tudo isso, onde estão escondidos os professores? Alguns na “comissão de notáveis”, outros na burocracia administrativa, muitos ador(n)ando seus Lattes, poucos, realmente poucos, questionando essa estrutura. Mas mesmo esses poucos limitam sua participação política a um corporativismo que ignora os elementos fundamentais do funcionamento da instituição. No pior dos casos, chegam a extremos de abuso de autoridade, como é o “caso Zaverucha”, no qual este professor de ciência política é acusado de assediar sexualmente uma estudante. O que não o impediu de continuar dando aulas, demonstrando a ineficácia da via institucional.
***
De Harvard à USP as movimentações políticas recentes são deslegitimadas como se fosse uma mera perda de tempo e que em seu lugar os estudantes deveriam estar estudando. Pensamos que não. Esse sistema de tensão e controle não passa despercebido por todos os estudantes. Existem experiências que apontam para uma resistência e construção de outros paradigmas.
Recentemente o Diretório Acadêmico de Ciências Sociais modificou o seu estatuto, adotando o modelo de autogestão como forma de organização. A escolha de um modelo horizontal possibilita a participação direta de qualquer estudante do curso, uma vez que foi eliminada a lógica da representatividade. Esse resultado, inclusive, faz parte de um longo processo de acúmulo interno, demonstrando que as coisas não acontecem da noite para o dia. A expectativa é que essa iniciativa se alastre pelo movimento estudantil, para dessa forma suplantar organizações hierárquicas e autoritárias como o Diretório Central dos Estudantes.
Ocorreram outras ações menos sistematizadas, mas não menos importantes. Já é possível ler nos muros e paredes o “fora TKS” ou “machismo mata”, expressões que são
a  
materialização das lutas em curso. Como resposta a agressão dos seguranças da TKS um protesto ocorreu exigindo a retirada da guarda privada do campus. Meses depois houve um ato em solidariedade aos estudantes da USP que ocupavam a reitoria exigindo o fim do convênio entre a universidade e a Polícia Militar de São Paulo. A mobilização mais recente foi acerca do caso Zaverucha, uma vigília foi organizada por estudantes indignadxs. Esperamos que a tinta branca da reitoria não apague essas lutas.
Pensamos que uma ação que cabe à este contexto mais recente é a festa clandestina. Ela já foi realizada antes e não seria a primeira. A importância da festa se dá pelo fato de ser uma contestação lúdica, na qual xs estudantes estariam afirmando seu lugar humano num ambiente desumano, demonstrando que estão dispostxs a contestarem a objetivação imposta de serem instrumentos de produção, designados e controlados para tal. Como a recente expulsão de seis alunos da USP demonstrou: se não se adequou está fora!
As festas clandestinas seriam obviamente gratuitas e utilizariam o espaço interno do campus, resignificando-o numa situação inesperada, a vivência total de um espaço morto. A organização seria feita pelxs próprios estudantes, como nas calouradas, e o dinheiro arrecadado iria para alguma espécie de caixa que financiaria mais atividades.
Essa é uma proposta. Uma proposta possível mas que necessita de uma troca que a precede, envolvendo xs estudantes organizados e uma boa discussão do que significa este contexto que impõe restrições, repressão e apatia.

Recife Resiste!


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