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segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Formação para a cidadania: e a escola com isso?


Desirèe Luíse - 04/08/11

A chance de um universitário ser muito interessado em política em 1993 era 3,6 vezes maior do que a de alguém com fundamental incompleto; já em 2006, esse valor caiu para 1,6. “Significa dizer que o comportamento político do universitário era maior antes e decresceu até níveis semelhantes ao de uma pessoa no fundamental incompleto”, pontua o pesquisador Rogério Schlegel, que estudou o tema educação e comportamento político em sua tese de doutorado, defendida no final do ano passado.
Ao mesmo tempo, em 2009, pesquisa sobre a confiança nas instituições, do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), mostrou que quase 60% dos entrevistados não confiam ou pouco confiam no Congresso Nacional. Além disso, quase 70% têm a mesma desconfiança em relação aos partidos políticos.
Em Parada de Taipas, na zona oeste da cidade de São Paulo, 70 alunos do ensino médio acompanham aula em um dos CICs.

Neste cenário, de crescente desinteresse e elevada desconfiança, como a escola pode contribuir para a formação de cidadãos mais interessados, envolvidos, mobilizados e ativos politicamente?
Dentro de sala de aula, há apenas exemplos pontuais de ações voltadas para a formação cidadã do sujeito, de acordo com o doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), Humberto Dantas. “O que observamos nas escolas ainda é um enorme afastamento em relação aos assuntos políticos, tirando algumas exceções”, diz. “O conteúdo das disciplinas que abarcam a cidadania não pode ficar a critério apenas de alguns poucos professores que tomam a iniciativa nessa direção.”
Ao longo dos últimos oito anos, Dantas atuou em mais de 160 cursos de formação política como professor ou coordenador, ministrados por meio de ONGs ou institutos. Mas, para ele, a escola deveria ser o principal motor para a formação cidadã dos alunos. “Refletir em sala de aula para a vida em sociedade, investir no saber com qualidade de cultura política e de cultura nacional seria algo muito razoável.”
Mas, segundo ele, é no terceiro setor que tem ocorrido as mais expressivas ações de educação política no Brasil em termos de diversidade. A Escola de Governo de São Paulo e o Movimento Voto Consciente são duas delas.
Assista abaixo entrevista feita pelo movimento Acordem e Progresso com Rosângela Giembinski, fundadora do Voto Consciente.

Já os Centros de Integração da Cidadania (CICs), promovido pelo poder público, também tem cumprido o papel. No primeiro semestre, cerca de 400 alunos de ensino médio foram formados pelos CICs. Para o segundo, seis turmas devem concluir o curso de iniciação política, contabilizando um total de mil estudantes no ano.
Correndo atrás do prejuízo
A questão não é recente. José Eduardo Freitas Prado é engenheiro, aposentado há 20 anos. Ele resolveu, desde o início do ano, participar das oficinas de cidadania e política ministradas na ONG
Oficina Municipal – Escola de Cidadania e Gestão Pública. Junto com sua esposa, professora, mais três colegas engenheiros e um químico industrial – todos aposentados, com idades entre 70 e 80 anos –, Prado quer estudar e debater assuntos que promovam a democracia participativa.
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“Somos inconformados com a situação política e social do país. Ao invés de apenas ficar falando que está ruim, queremos refletir e até mesmo colaborar com algo mais concreto, se possível”, justifica o engenheiro. “Há pouca participação da população nas questões sociais. O brasileiro não tem atitudes voltadas para a cidadania”, afirma.
Na década de 1940, ele cursou a educação básica em um colégio público localizado em Campinas (SP). Hoje, aos 79 anos, Prado diz que durante sua trajetória escolar, nunca recebeu informações que incentivassem sua participação cidadã. Foi na Oficina Municipal que Prado e seus colegas aprenderam noções de Estado, como a divisão dos poderes em Executivo, Legislativo e Judiciário.
“O que havia na escola era o ensinamento de valores éticos e morais, muito baseados no catolicismo. Tanto na época do chamado ginásio como na universidade, ficamos totalmente ignorantes com relação à formação política e administração pública”, aponta.
Dantas ministra aula de formação na Câmara Municipal de São Roque, em São Paulo. Cerca de cem alunos participaram.
Um olhar para a democracia
Segundo Dantas, cidadania é um tema transversal, que deveria estar presente em todas as disciplinas. Mas como isso nem sempre acontece, ele acredita que uma matéria específica que tratasse do assunto seria algo interessante no ensino médio. “Uma disciplina que sirva à democracia e dentro dela poderíamos trazer tópicos de política.”
“O aluno poderia aprender aspectos essenciais da Constituição, os direitos civis, políticos e sociais. O jovem, sem dúvida nenhuma, se transformaria em multiplicador dessas informações dentro de sua casa”, completa.
Com essa preocupação, a USP está formulando um projeto, coordenado pelo professor de Ciência Política José Álvaro Moisés. Materiais pedagógicos serão testados para constatar o que poderia ser benéfico ao aluno para uma escolarização mais centrada em valores democráticos.
O coordenador do curso do Programa de Pós-graduação do Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento (Cefor) da Câmara dos Deputados, Rildo Cosson, lembra que há anos a Inglaterra inseriu em seu currículo pedagógico uma disciplina para o letramento político (policial literacy).
Letramento político
É o processo permanente de apropriação de práticas, conhecimentos e valores para a manutenção e aprimoramento da democracia, que contempla tanto as relações de poder institucionalizadas pelo Estado, quanto o cotidiano que envolve as relações de convivência em casa, no trabalho e no círculo de amigos.
As práticas envolvem o reconhecimento do outro como igual, a cultura do diálogo na resolução de problemas, as formas de participação decisória, os meios de atuação coletiva e de deliberação colaborativa.
Autor do livro “Escolas do Legislativo, Escolas de Democracia”, Cosson acredita que criar uma matéria específica é uma forma de garantir a presença da cidadania dentro da escola, “porque por mais que o tema seja transversal, não tem espaço certeiro no currículo pedagógico e normalmente acaba não sendo trabalhado”.
Por outro lado, o especialista lembra que não se pode apenas discutir os conteúdos na sala. “Letramento político não é só informação. Deve ser ensinado, mas também vivido na prática, o que é essencial. Conhecer a Constituição é uma coisa, aplicá-la é outra”, alerta ele.
Também, a governança democrática dentro das escolas pode estimular práticas cidadãs. O ponto é destacado por Schlegel. “Se o conteúdo escolar é construído de forma democrática com a participação de pais, professores e alunos, isso se reflete nos estudantes.”
Para Cosson, um aspecto do século XXI que tem atrapalhado a dedicação escolar à formação política é o que chamou de estreitamento da noção de educação e das funções das instituições de ensino. “A escola deixa de ser um espaço de formação do cidadão para ser apenas instrumento de preparação para o trabalho.”
Consequências da não politização
Segundo Dantas, a não implementação de políticas públicas em razão “do total descaso do cidadão e de seu desconhecimento, bem como a eleição de pessoas completamente despreparadas e desprovidas de compromisso coletivo, é um sinal da falta de educação política”.

Ouça Humberto Dantas falando sobre educação política.

A ideia generalizada de que para o país mudar é necessária a Reforma Política, em tramitação no Congresso Nacional, é rechaçada por Dantas. O problema maior não estaria no funcionamento das regras do jogo: “Transformar nosso sistema partidário ou os partidos políticos não vai adiantar quando temos pessoas mal preparadas para o exercício dessas regras. Quando se contrata [elege] mal, não tem como esperar que trabalhem bem.”
Inclusive, a dificuldade de o cidadão identificar quais são as competências do Estado também é consequência da falta de politização. “Vemos candidato a prefeito fazendo propaganda política prometendo criar universidades, mas isso não é de sua competência. A educação para a cidadania também serve para prevenir que o eleitor caia nessas mentiras.”
Desinteresse popular
“Os políticos são inúteis” e “não tenho nada a ver com política”. As duas frases são comumente utilizadas quando brasileiros são indagados sobre os parlamentares do país. As falas encontram respaldo em pesquisas que demonstram a baixa confiança depositada no Legislativo e nos partidos políticos.
“Atribuímos política a algo distante de nós. Considera-se que é uma coisa suja e que os eleitos não têm caráter. Mas, o que as pessoas não percebem, porque a educação formal e a informal isolam as relações políticas, é que a política está no dia a dia, para além das eleições”, diz.
Em caso esporádico, mobilização pela aprovação da Lei da Ficha Limpa ganhou força nas ruas em maio de 2010.
De acordo com ele, há necessidade de considerar a definição de política como vida em comunidade, quando existe relacionamento com o outro. Separar o lixo em orgânico (molhado) e inorgânico (seco), porque acredita que está ajudando a preservar o meio ambiente, é uma ação política. Da mesma forma que simplesmente repassar um e-mail sobre os índices salariais dos professores para a rede de contatos.
Estar na escola não basta
Intitulada
“Educação e Comportamento Político – Os Retornos Políticos Decrescentes da Escolarização Brasileira Recente”, a tese de doutorado de Rogério Schlegel chega à conclusão de que apenas a expansão do acesso à educação não influencia diretamente no engajamento das pessoas em questões sociais.
Entre 1995 e 2007, o ensino fundamental foi universalizado, dobrando as taxas de alunos que concluíram a educação básica. Segundo a pesquisa, os mais escolarizados são sim mais informados, mais participantes, apoiam com maior intensidade os princípios democráticos e são mais tolerantes.
No entanto, os efeitos da escolarização são menores do que se podia imaginar no quesito comportamento político, permitindo dizer que não é o aumento do nível educacional da população que culminará no crescimento do apoio à democracia, de acordo com o estudo.
Schlegel analisou dados referentes ao período 1989-2006, estudando como os diferentes níveis educacionais impactam na participação das pessoas dentro da sociedade, o que chamou de retorno político.
Os resultados desaconselham apostas na educação como panaceia, capaz de promover uma cidadania superior. Pois a educação importa, mas não só. “Isso se deve a democracia que está mais naturalizada e também a qualidade da educação que não está satisfatória, gerando impacto também no comportamento político dos alunos”, explica o pesquisador.
A crítica
O receio que sempre pesou contra a educação política é a possibilidade de ser
transformada em doutrinamento. “Por essa razão, projetos de disciplinas escolares nessa área costumam ser vistos com reservas”, diz Cosson.
Também amedronta pensar na volta de uma matéria como Educação Moral e Cívica – criada como disciplina obrigatória pelo regime militar em 1969.
Dantas reforça a ideia de uma educação política suprapartidária. “No interior acontece muito de o professor entrar na sala absolutamente convencido de que pode fazer campanha eleitoral, principalmente quando o próprio professor é candidato a vereador”, revela. “O docente tem que ter responsabilidade. A educação política formal está ligada ao caráter qualitativo da democracia de um país”, conclui.
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