Recebi inúmeros e-mails, telefonemas e comentários também ao vivo e a cores sobre o artigo que escrevi sobre o Biu do CFCH. Acredito que um deles (o de Ana) sintetiza o que todos e todas falaram. Abaixo a mensagem, que também segue junto com um poema (Otávio)
MENSAGEM DE ANA: "Fiquei muito emocionada e gratificada por saber que alguém viu o Biu com os olhos da janela da alma. Parabéns, professor! Atrevo-me a lhe enviar uma poesia que coincidentemente fiz para Severina, que só conheci no leito do hospital e já estava dormindo em paz sem a possibilidade de acordar para mais um dia...Através dos seus escritos conheci também o Biu. Sua sensibilidade faz florescer os campos áridos de uma cultura materialista, sobretudo no que diz respeito a falta de apreço respeito para com aquelas pessoas tão trabalhadoras e dignas. No entanto, são tratadas como objetos jogados ao relento, sem pranto, sem canto e acalento, por injunções de um sistema capitalista desumano. Agradeço por me apresentar o senhor Biu, que em matéria de solidariedade tinha diploma de doutor".
Poema de Ana:
Severinas
I
Acreditava ter me tornado estéril por completo.
De minhas mãos e coração nenhuma poesia mais fecundaria.
Eis que me deparo com Severina!
Mulher que lutou através da surdina, trazia na mão uma flor singela simbolizando a vida,
que por fim, lhe trouxera a calmaria.
Severina, Severina! O seu gás para o alimento, ninguém mais lhe daria.
Amigos espirituais me acalentaram...
Então, corri entre os carros um pouco atordoada,
vislumbrando os olhos de sua filha,
que traduziam o silêncio dos inocentes.
A sua postura no leito era tão bela!
Aguardávamos pelo seu despertar.
A sua partida foi tão sublime, que me fez gerar um feto...
Aquele que se chama poema e aplaca a dor da injustiça.
Eu estava parindo o grito dorido da sua cria,
que já não mais tinha a Severina guerreira.
Ah! sua netinha, com uma lágrima na face,
corria e pulava, em meio a tanta cegueira.
II
Após parir o desatino,
Fui em busca de um amigo do destino.
Precisava sentir o vento e de acalento;
ouvir poesia e esquecer o tempo.
No entanto, aquele que seria cúmplice do meu parto,
já tinha outras mãos para acariciar...
Resolvi então silenciar,
e dentro do peito perpetuar a vida e a morte.
Mas, para não implodir, expeli toda a angústia
e esbravejei com o meu poeta.
O existencialismo estava preste a eclodir...
Em homenagem à Severina, ressuscitei do marasmo.
Para o meu Sartre, que de mim se apieda com sarcasmo,
pari sem dor esta poesia.
III
O surrealismo inusitado contrapôs-se à covardia de uma sociedade vadia,
estagnada em parâmetros amorfos e preconcebidos,
que defloram a verdade.
Para os que não possuem amor e fortuna não há piedade.
Há, tão somente, a exaltação da reciclagem permeada de alienação e caridade.
Estes versos atêm-se à teoria da relatividade,
que em prol dos esquecidos, transforma a dor da morte e dos amores românticos,
em mote de liberdade...
IV
Os Lusíadas retratam a hegemonia absurda,
que nos cerca, em cânticos!
Por analogia, navegarei em mares solitários,
enaltecendo Clarice Lispector e seus mistérios.
Serei a excluída da senzala, que não se cala;
a Ana de Amsterdã, que com ironia,
canta e dança a sua agonia.
Será preciso que inúmeras Severinas,
ostras que se agarram à vida,
sucumbam à mercê dos coronéis do planalto em suas marinas?
V
Vou-me para Passárgada!
Lá, encontrarei Severina, Clarice e Alice no País das Maravilhas.
A maioria de Vossas Excelências, aqui, carece de decência...
Esqueceram, efetivamente, a essência dos salmos Nietchianos.
À Helena de Tróia, exorto a sua verdade e coragem.
As Severinas e eu abateremos os gregos,
recusando os presentes envoltos em malas sem apreço.
Salvem-se as mangueiras, os cajueiros e os pássaros amantes da igualdade.
Coloridos e harmônicos, gorjeiam para a humanidade, alimentando-se da esperança
e afugentando a carnificina.
As dores do parto cessaram...
Escuto o mar, a seca, o vento, o silêncio,
o riso, o choro e sobretudo, o chamado da poesia.
As rosas e os espinhos, o acalanto e o desalento, o meu jardim semearam.
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