O tema da humanização tem entrado em debate no interior dos movimentos estudantis da UFPE de forma cada vez mais intensa nos últimos tempos, mas com imensa possibilidade de se tornar a principal bandeira de luta específica nos próximos anos caso os gestores da instituição não cuidarem de fato da humanização do campus com a preocupação que isso requer, assim como de ações necessárias para o seu enfrentamento e com medidas que gerem soluções. Quem estuda os movimentos estudantis sabe muito bem que os jovens fazem ressurgir seus movimentos numa velocidade impressionante dentro de limites atemporais, superando os suportes das entidades estudantis e provocando protestos públicos no interior das universidades com ações coletivas que agregam muitos temas e interesses diversas vezes discrepantes.
Uma particularidade dos movimentos estudantis na contemporaneidade é a indefinição do quanto de ruptura que podem provocar, pois a fluidez de suas lutas estão situadas numa estratégia política que não mais trabalha com certezas absolutas, porque estamos falando de movimentos fragmentados, sim, mas insistentes.
Com a mudança significativa dos movimentos estudantis nas duas últimas décadas, gradativamente novos temas foram sendo incorporados na luta estudantil, como o combate à homofobia, questões de gênero, valorização de expressões culturais diversas e tantos outros que fazem parte da luta efetiva de diversos coletivos estudantis espalhados nas nossas universidades.
A observação, o registro e análise dos movimentos estudantis da UFPE e de outras universidades me levaram a acreditar que existe uma preocupação maior com os direitos humanos e a formação cidadã dos nossos jovens expressa nas falas, nos textos e nos contextos tratados.
Recentemente, em menos de uma semana, o que se viu no campus da UFPE foi a promoção de protestos e atos visando principalmente a humanização do campus. Os estudantes pediram soluções imediatas para problemas diversos que afligem os estudantes no ato na Reitoria, como podem ver sintetizados nesse vídeo:
Na frente do RU dias depois pediam o fim dos casos de assédios (sexual e moral) na UFPE, bem como denunciaram os casos de omissão e impunidade com o lema “meu corpo, minhas regras”. Também selecionamos um vídeo que resume muito bem o que diversas pessoas pronunciaram:
São vários atos de protesto dos estudantes nos mais diversos espaços e formas reivindicando uma universidade mais humana. São várias manifestações que demonstram um entendimento de que se chegou a um limite das coisas, principalmente diante do quadro de exploração desumana dos bolsistas de graduação que são utilizados como um verdadeiro produto “Bombril” – com suas mil e umas utilidades – até os casos de suicídios onde nenhuma sensibilidade é demonstrada pelos mais diversos atores que estão contracenando nos espaços da universidade.
Quem não olhar a universidade com uma multiplicidade de questões que estão relacionadas no seu conjunto certamente vai construir reflexões que estão distantes desse mundo universitário complexo. Considero um argumento frouxo não relacionar os casos de suicídio no CFCH da UFPE com a desumanização do campus, principalmente partindo de análises sem base empírica alguma, pois a pouca divulgação dos casos de suicídios, a banalização dos casos (com opiniões já consolidadas que é “só mais um”), a estigmatização e esteriotipização do CFCH pelos próprios membros de sua comunidade (nem aulas são interrompidas mais quando um caso desses acontece), a existência do prédio sem áreas de convívio na sua área interna e no seu entorno, a ausência de atividades culturais permanentes que façam do CFCH e dos prédios circunvizinhos não só produtores mas divulgadores de cultura, a baixa sensação de segurança quando se visita o prédio, a arquitetura sombria do prédio que não se abre para uma perspectiva de acolhimento e de pertencimento à instituição e tantos outros fatores visíveis a qualquer ser pensante deixam isso muito claro e aberto.
Se partimos da concepção da lógica do reconhecimento do outro, inclusive aliando inúmeras noções como humanização, dignidade, igualdade, respeito e tantas outras, também poderemos dizer que a desinformação tem sido uma grande aliada da desumanização, sem contar o pouco preparo da instituição em resolver situações onde inclusive estudantes e até funcionários do prédio já foram humilhados por professores que se acham no direito ampliar essa distância entre professores e os “outros”.
É lógico que os “intelectuais de gabinete” não enxergam isso. É só consultar os estudantes, professores e funcionários dos três centros (CE, CFCH e CAC) para comprovar empiricamente que parcelas significativas desse grupo de fato estão se incomodando com o pouco debate sobre a formação humana, inclusive fazendo a associação imediata com outros problemas enfrentados, principalmente pelos estudantes. O que é correto!
Como é prática de muitos que se debruçam na análise do caso não ouvir os estudantes e nem dar validade ao que eles pensam e sentem, mas indo além, muito menos reconhecê-los como parte INTERESSADA na questão, o que lemos por aí são verdadeiras peças de ficção, que servem muito mais como ilustração de um power point num congresso acadêmico do que um real instrumento para o enfrentamento e resolução dos problemas e conflitos.
A UFPE já possui pesquisas que podem muito bem orientar os debates atuais. A pesquisa do Professor Paulo Henrique Martins foi uma importante contribuição à UFPE num determinado momento de sua história, pois ele foi lá ouvir os estudantes e entender todo o processo quando, num período relativamente curto de 1994, dois suicídios ocorreram na Casa do Estudante da Universidade.
O estudo sociológico produzido nesse período sob a coordenação do Professor Paulo Henrique Martins intitulado “Estudantes Universitários e Exclusão Social no Campus” (UFPE, Recife, 1997) relacionou claramente a desumanização do campus com os suicídios. A pesquisa em questão marcou claramente a carreira desse professor, que abriu novas linhas de pesquisas e produziu uma reflexão importante sobre o tema na instituição, como ele próprio comentou anos depois:
“Em 1994, fui procurado por alunos da graduação para dar um apoio político aos estudantes das residências estudantis da UFPE onde havia acontecido recentemente dois suicídios seguidos, ocorrendo igualmente um principio de pânico e surtos depressivos entre os estudantes-moradores. Os estudantes me procuraram para ter o apoio dos professores contra uma certa tendência na reitoria da UFPE de desresponsabilizar os gestores e de culpabilizar os próprios estudantes pelo acontecido. Houve inclusive uma interpretação complicada e fascista de um médico ligado à Reitoria de que haveria uma relação suspeita entre pobreza e tendências suicidas (???). A partir daí decidi fazer uma pesquisa-ação sobre o caso que foi bastante interessante ao permitir compreender mais de perto a relação entre normalidade institucional e condições de saúde. Minha conclusão foi de que as residências constituíam espaço de acolhimento para os jovens pobres de cidades do interior. Assim, na medida em que a reitoria demonstrou descaso com a qualidade de moradia das Casas, isto rebateu diretamente nas condições psíquicas e emocionais dos jovens” (http://www.nucleodecidadania.org/nucleo/extra/2007_11_20_17_51_40_entrevista_para_o_lappis_com_paulo_henrique.pdf)
Talvez trabalhos como os de Mauro Cesar de Lima “Vaga Mundo Imundo Mundo: a Saga de um estudante” (Recife, Fundação Antonio dos Santos Abranches-FASA, 2000) não sejam reconhecidos por não se tratar de um estudo científico, mas é uma narrativa fundamental para se compreender claramente a situação de muitos estudantes da UFPE que habitavam a Casa do Estudante e vivenciaram ali o pânico diante de atos de suicídios.
Ele traz o sentimento de uma geração de pessoas que sofreu muito na Casa do Estudante da UFPE durante um período de falta de diálogo, de cortes de recursos para a assistência estudantil e dentro de um contexto nacional atribulado. A frase marcante do seu livro “era difícil brigar por um prato de comida” é contextualizada nos trechos de entrevistas que fiz com ele esse ano e que estão aqui.
PARTE 1
PARTE 2
PARTE 3
PARTE 4
É óbvio que comparativamente ao período tratado por Mauro (primeira parte dos anos 1990), nos dias de hoje a UFPE passou por um processo de humanização jamais visto em sua história recente, o que não significa dizer que tudo está nos patamares aceitáveis.
Só o fato das pessoas não se incomodarem mais com a ocorrência dessa situação de suicídios já é um argumento forte para dizer que é preciso avançar e muito. Os atos de estudantes no CE no dia do acontecimento ou a oração promovida por estudantes católicos na frente do CAC e do CFCH dias depois dão clareza de que é preciso humanizar ainda mais o campus da UFPE.
Mas os estudantes – a maioria do CFCH e do CE – foram protagonistas mais uma vez da produção do debate, inclusive colocando em pauta o assunto no protesto empreendido no dia seguinte ao terceiro suicídio do ano. O agendamento de uma reunião para o dia 20 de outubro com o novo reitor da UFPE vai de encontro à construção de ações para diminuir drasticamente os casos e a construção coletiva de um plano de humanização do campus.
Também chamo a atenção da existência de um grupo de trabalho que está construindo propostas para a institucionalização dessa questão humanizadora na UFPE na gestão que se inicia agora em outubro, sobretudo apontando para a necessidade da universidade fazer trabalhos com a sociedade no trato da dimensão humana, pois segundo um dos membros desse grupo, "a universidade é um espaço onde nós estamos lidando com as necessidades humanas” (Professor Sandro Sayão).
O grupo está afinado com uma proposta embasada teoricamente no debate dos direitos humanos, mas com uma proposta vinda principalmente das experiências dos mesmos em projetos de pesquisa e extensão na UFPE, considerando que
“É um avanço a universidade estar se preocupando com isso (...) Tivemos seiscentas e setenta poucas dissertações de mestrado e teses [defendidas]. Isso prova que estamos sabendo fazer a tarefa no âmbito científico. Agora, a gente pergunta se estamos conseguindo fazer a tarefa no âmbito da formação humana, que é uma competência da universidade como uma instituição ligado ao Ministério da Educação. Nós estamos ligados a uma instituição educacional e isso não exclui a nossa responsabilidade de todos” (idem)
Novamente divulgamos com EXCLUSIVIDADE os vídeos da apresentação com as falas dos Professores Sando Sayão, Marcelo Pelizolli e outras pessoas que estão construindo com tantas outras o seguinte:
- PROPOSTA DE CONSTRUÇÃO DE UM PLANO DE HUMANIZAÇÃO DA UFPE (Grupos de Trabalhos realizados para encaminhar as plataformas estratégicas para a UFPE):
PARTE 1:
http://www.youtube.com/watch?v=pkt8NSOoSVs&feature=player_embedded
PARTE 2:
http://www.youtube.com/watch?v=y29tklsKRMU&feature=player_embedded
Novos caminhos e sugestões
O tema ao qual dei títulos nesse texto é provocante, mas não deixa de contemplar a realidade vivenciada por milhares de pessoas que frequentam ou frequentaram o prédio do Centro de Filosofia e Ciencias Humanas (CFCH) da Universidade Federal de Pernambuco.
Pode se dizer que a totalidade dos suicidas que utilizaram o prédio do CFCH da UFPE para cometer seus atos nos últimos anos eram jovens, com exceção de uma professora aposentada da rede estadual que passava por problemas de natureza psicológica e deu cabo a própria vida em 2008.
Inclusive, coincidentemente no período do seu ato, como fazia uma pesquisa em várias escolas da cidade de Recife, encontrei-me com seus antigos colegas, que se mobilizavam para prestar uma homenagem a memória de sua amiga.
Não quis aqui simplesmente fazer uma análise a partir do que simplesmente passou comigo como observador, mas tentei auxiliar o debate visando a construção de propostas efetivas para a resolução das dificuldades.
Também é fundamental estudar casos de suicídios que ocorrem em tantas outras universidades, como é o caso da Universidade de Cornell, que fica localizada no Estado de Nova York, nos Estados Unidos, que vivenciou um período de seis sucessivos casos de suicídios num curto período do ano, sendo três deles em poucas semanas em 2010. O ambiente da Universidade é propício, pois diversas pontes de cerca de 30 metros estão espalhadas pelo campus.
A universidade americana lançou então uma campanha de prevenção ao suicídio, agindo também com o reforço da segurança nas áreas “propícias” e mobilizando os funcionários para ir aos alojamentos e até em salas de aulas para demonstrar que a universidade se preocupava de fato com eles. Sem contar a propaganda com o número do contato telefônico do serviço de prevenção ao suicídio da instituição por todo o campus. (Fonte: http://www.adur-rj.org.br/5com/pop-up/univ_americana_conter_suicidios.htm)
Por fim, como é sabido que a administração do CFCH gasta uma energia enorme para manter um prédio com inúmeros problemas estruturais e de grande dificuldade de manutenção não é de hoje, com a finalização das obras em andamento, a instalação de mais um elevador e a consolidação de um novo prédio de salas de aulas ao lado do Centro de Ciências Sociais aplicadas (CCSA), o CFCH poderá focar em diversas ações de humanização e de resgate do seu sentido original com mais destaque.
Já existe um grupo de pessoas articulando isso para ser colocado em prática pelo novo Reitor da UFPE, Professor Anísio Brasileiro, que inclusive assumiu na posse no Ministério da Educação no último dia 6, que a humanização do Campus será uma das suas principais questões a ser enfrentada, sem contar a criação de uma Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis que poderá desenvolver trabalhos fantásticos nesse campo.
Com a infra-estrutura do CFCH em dia, o que posso dizer é que não haverá mais desculpas para que um elevador seja exclusivo dos professores, pois não existe nada mais desumanizador que a exclusividade e o privilégio como política para distanciar as pessoas do dia-a-dia.
Também é fundamental ampliar os espaços de convivência, combater os casos de racismo, homofobia, assédio moral e sexual, exigir mais transparência pública nas atividades desenvolvidas por todos e combater com insistência o utilitarismo descarado que se avoluma a cada dia na instituição.
A desumanização no campus pode gerar preconceitos, dores, perdas, depressão e até suicídios, sim. É preciso combater casos de assédio de professores contra estudantes ou de agressões de professores contra funcionários com casos de humilhação e ataque a sua honra como já aconteceu no CFCH, numa área de grande circulação de pessoas à vista de muitos que estavam alinhados numa fila.
É papel dos gestores investigarem esses casos e coibir tais práticas, mas nem sempre é o que acontece. Além da impunidade, ainda tem gente que quer dar lição de moral, por isso que sou a favor da apuração em todos os casos com a devida punição de abusos ou de humilhação contra as pessoas e outros fatos tipificados como crimes. A impunidade gera mais vítimas e mais desumanização.
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